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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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AMAZÔNIA

Governo lança financiamento para produção ecologicamente correta de madeira; reunião cria grupo pioneiro

Manejo florestal ganha R$ 2 mi de crédito

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM

O ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) anunciou ontem a concessão da primeira linha de crédito para o manejo florestal "sustentável" na Amazônia. O anúncio coincidiu com a criação do primeiro grupo de produtores de madeira com selo verde do país e sinaliza mudança na forma como o governo enxerga o potencial econômico da Amazônia.
"Esta é a primeira vez que isso acontece na história do Brasil", disse o ministro no seminário "Certificação Florestal na Amazônia: Avanços e Oportunidades", que reuniu cerca de 500 pessoas, entre madeireiros, ONGs, cientistas, governo e representantes de bancos, além da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela aproveitou a ocasião para anunciar que o governo criará nas próximas semanas um centro nacional de apoio ao manejo florestal, a cargo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
O crédito propriamente dito foi de pouco mais de R$ 2 milhões, segundo o Banco da Amazônia. O financiamento saiu para a Juruá Madeiras, empresa do Pará que desde 2001 vende madeira com o selo do FSC (Conselho de Manejo Florestal), hoje a principal chancela internacional de que a madeira foi extraída com o menor comprometimento da floresta.

Sem crédito para gado e soja
Segundo Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), sua importância é sobretudo política: "O objetivo é dizer que existe crédito para manejo", disse. O diretor de Ações Estratégicas do Banco da Amazônia, João Batista de Melo Bastos, foi além: declarou que o banco vai parar de financiar projetos agropecuários -principalmente gado e soja- que tragam mudanças à cobertura florestal da região.
O banco, que dispõe de R$ 1,1 bilhão do FNO (Fundo Constitucional da Região Norte) para gastar neste ano, informa ainda que suas linhas de crédito serão voltadas ao setor florestal, principalmente para o manejo "sustentável" de madeira. Os critérios de sustentabilidade, no entanto, ainda estão em discussão.
Também pela primeira vez no país, os principais produtores de madeira certificada pelo FSC se uniram para formar o PFCA, grupo dos produtores florestais certificados na Amazônia. Fazem parte dele cinco empresas e duas comunidades de reservas extrativistas do Acre. Para receber o selo, a madeireira deve garantir que sua cadeia produtiva cumpra uma série de regras estabelecidas internacionalmente, como o mapeamento detalhado de cada árvore a ser cortada, um diâmetro mínimo para o corte e a exploração de várias parcelas de uma floresta em ciclos de pelo menos 20 anos.
Segundo Carlos Guerreiro, da Gethal (segunda madeireira do Brasil a receber o selo, em 2000), o grupo deverá atuar como porta-voz de um setor que está crescendo no país (mais três madeireiras e uma comunidade estão em processo de certificação, o que deverá triplicar a área de floresta com selo do FSC até o ano que vem). Vai pedir a simplificação das regras do Ibama, o fortalecimento das instituições de pesquisa, como o Imazon e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e crédito bancário.

Valor da floresta em pé
No encontro de ontem também foi produzida a chamada Carta de Belém, que propõe que o setor florestal seja o principal motor do desenvolvimento da região amazônica (61% do território nacional, 12% da população e apenas 6% do PIB). "A gente quer estabelecer um divisor de águas e fazer com que a agenda dos negócios da floresta passe a ter visibilidade no governo", disse Veríssimo.
O pesquisador afirma que só o reconhecimento do valor da floresta em pé pode reverter a lógica da exploração predatória. Ele diz não ter ilusões de que o processo será fácil. Ninguém tem certeza ainda de que a sustentabilidade seja um fato. "Há uma série de respostas que não existem, como qual é o ciclo ideal das espécies", disse Guerreiro, que prefere a expressão "manejo responsável".
Depois, é necessário vencer a resistência dos madeireiros a adotar o selo. A péssima imagem pública do setor, associada à pressão crescente dos mercados europeu e norte-americano por madeira ecologicamente correta, tem obrigado as empresas amazônicas a buscar a certificação. Um grupo semelhante ao PFCA, mas de compradores brasileiros de madeira certificada, foi criado em 2000, num seminário semelhante.
A demanda do mercado nacional por madeira com selo do FSC é cerca de cinco vezes maior que a oferta. Enquanto os integrantes do PFCA respondem por 500 mil m3 anuais, ou 2% da produção da Amazônia, a demanda é estimada em 3 milhões de m3. Há casos extremos, como o do empresário maranhense José Shalom. Dono de uma das maiores fabricantes de portas do país, Shalom compra a matéria-prima da Bolívia, porque não encontra quem lhe venda cedro-arana com selo no Brasil.
O desafio, diz Veríssimo, é fazer o governo agir em duas pontas, na desburocratização do Ibama e na regulamentação fundiária.
O segundo problema é considerado crucial, porque o preço da terra é o principal custo da atividade madeireira. E aí entra uma proposta do governo que tem provocado polêmica: a concessão de Flonas (Florestas Nacionais) para a exploração "sustentável", que alguns consideram uma forma de privatização da Amazônia e outros, a única maneira de deter o avanço da extração ilegal.
Veríssimo admite que o manejo não é "uma panacéia" e que, numa situação ideal, ele deva chegar a no máximo 20% do mercado. "A questão é: estamos no caminho certo? Eu acho que sim."


O jornalista Claudio Angelo viajou a Belém a convite do Imazon


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