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AMAZÔNIA
Governo lança financiamento para produção ecologicamente correta de madeira; reunião cria grupo pioneiro
Manejo florestal ganha R$ 2 mi de crédito
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM
O ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) anunciou ontem a concessão da primeira linha
de crédito para o manejo florestal
"sustentável" na Amazônia. O
anúncio coincidiu com a criação
do primeiro grupo de produtores
de madeira com selo verde do
país e sinaliza mudança na forma
como o governo enxerga o potencial econômico da Amazônia.
"Esta é a primeira vez que isso
acontece na história do Brasil",
disse o ministro no seminário
"Certificação Florestal na Amazônia: Avanços e Oportunidades",
que reuniu cerca de 500 pessoas,
entre madeireiros, ONGs, cientistas, governo e representantes de
bancos, além da ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva. Ela aproveitou a ocasião para anunciar
que o governo criará nas próximas semanas um centro nacional
de apoio ao manejo florestal, a
cargo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
O crédito propriamente dito foi
de pouco mais de R$ 2 milhões,
segundo o Banco da Amazônia. O
financiamento saiu para a Juruá
Madeiras, empresa do Pará que
desde 2001 vende madeira com o
selo do FSC (Conselho de Manejo
Florestal), hoje a principal chancela internacional de que a madeira foi extraída com o menor comprometimento da floresta.
Sem crédito para gado e soja
Segundo Adalberto Veríssimo,
pesquisador do Imazon (Instituto
do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia), sua importância é sobretudo política: "O objetivo é dizer que existe crédito para manejo", disse. O diretor de Ações Estratégicas do Banco da Amazônia,
João Batista de Melo Bastos, foi
além: declarou que o banco vai
parar de financiar projetos agropecuários -principalmente gado
e soja- que tragam mudanças à
cobertura florestal da região.
O banco, que dispõe de R$ 1,1
bilhão do FNO (Fundo Constitucional da Região Norte) para gastar neste ano, informa ainda que
suas linhas de crédito serão voltadas ao setor florestal, principalmente para o manejo "sustentável" de madeira. Os critérios de
sustentabilidade, no entanto, ainda estão em discussão.
Também pela primeira vez no
país, os principais produtores de
madeira certificada pelo FSC se
uniram para formar o PFCA, grupo dos produtores florestais certificados na Amazônia. Fazem parte dele cinco empresas e duas comunidades de reservas extrativistas do Acre. Para receber o selo, a
madeireira deve garantir que sua
cadeia produtiva cumpra uma série de regras estabelecidas internacionalmente, como o mapeamento detalhado de cada árvore a
ser cortada, um diâmetro mínimo
para o corte e a exploração de várias parcelas de uma floresta em
ciclos de pelo menos 20 anos.
Segundo Carlos Guerreiro, da
Gethal (segunda madeireira do
Brasil a receber o selo, em 2000), o
grupo deverá atuar como porta-voz de um setor que está crescendo no país (mais três madeireiras
e uma comunidade estão em processo de certificação, o que deverá
triplicar a área de floresta com selo do FSC até o ano que vem). Vai
pedir a simplificação das regras
do Ibama, o fortalecimento das
instituições de pesquisa, como o
Imazon e a Embrapa (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e crédito bancário.
Valor da floresta em pé
No encontro de ontem também
foi produzida a chamada Carta de
Belém, que propõe que o setor florestal seja o principal motor do
desenvolvimento da região amazônica (61% do território nacional, 12% da população e apenas
6% do PIB). "A gente quer estabelecer um divisor de águas e fazer
com que a agenda dos negócios
da floresta passe a ter visibilidade
no governo", disse Veríssimo.
O pesquisador afirma que só o
reconhecimento do valor da floresta em pé pode reverter a lógica
da exploração predatória. Ele diz
não ter ilusões de que o processo
será fácil. Ninguém tem certeza
ainda de que a sustentabilidade
seja um fato. "Há uma série de
respostas que não existem, como
qual é o ciclo ideal das espécies",
disse Guerreiro, que prefere a expressão "manejo responsável".
Depois, é necessário vencer a resistência dos madeireiros a adotar
o selo. A péssima imagem pública
do setor, associada à pressão crescente dos mercados europeu e
norte-americano por madeira
ecologicamente correta, tem obrigado as empresas amazônicas a
buscar a certificação. Um grupo
semelhante ao PFCA, mas de
compradores brasileiros de madeira certificada, foi criado em
2000, num seminário semelhante.
A demanda do mercado nacional por madeira com selo do FSC
é cerca de cinco vezes maior que a
oferta. Enquanto os integrantes
do PFCA respondem por 500 mil
m3 anuais, ou 2% da produção da
Amazônia, a demanda é estimada
em 3 milhões de m3. Há casos extremos, como o do empresário
maranhense José Shalom. Dono
de uma das maiores fabricantes
de portas do país, Shalom compra
a matéria-prima da Bolívia, porque não encontra quem lhe venda
cedro-arana com selo no Brasil.
O desafio, diz Veríssimo, é fazer
o governo agir em duas pontas, na
desburocratização do Ibama e na
regulamentação fundiária.
O segundo problema é considerado crucial, porque o preço da
terra é o principal custo da atividade madeireira. E aí entra uma
proposta do governo que tem
provocado polêmica: a concessão
de Flonas (Florestas Nacionais)
para a exploração "sustentável",
que alguns consideram uma forma de privatização da Amazônia
e outros, a única maneira de deter
o avanço da extração ilegal.
Veríssimo admite que o manejo
não é "uma panacéia" e que, numa situação ideal, ele deva chegar
a no máximo 20% do mercado.
"A questão é: estamos no caminho certo? Eu acho que sim."
O jornalista Claudio Angelo viajou a Belém a convite do Imazon
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