São Paulo, sábado, 18 de junho de 2005

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FÍSICA

Estudo feito nos Estados Unidos irá ajudar a entender como as estrelas fabricam os elementos mais pesados do cosmos

Grupo concebe átomo "mágico" de silício

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um grupo de cientistas americanos anunciou sucesso na fabricação de um átomo "mágico" de silício. Não, ele não pode desaparecer ou ser serrado ao meio e depois reunido. Também não é um produto licenciado da franquia milionária "Harry Potter". Seu truque, na verdade, é apenas um: ele consegue ser estável, mesmo tendo duas vezes mais nêutrons do que prótons em seu núcleo.
Como uma olhada rápida na tabela periódica dos elementos pode confirmar, o núcleo dos átomos costuma ser dividido irmamente entre prótons e nêutrons. A versão mais comum do oxigênio, por exemplo, contém oito prótons e oito nêutrons em seu interior. O carbono, sete e sete. E por aí vai. Quando há uma diferença entre a quantidade dessas duas peças elementares, ela não costuma passar de um ou dois, para mais ou para menos. Claro, quanto maior o átomo, maior a diferença possível. Mas, se, por alguma razão, ela fica grande demais, o átomo se torna instável, e logo "cospe" as peças indesejadas.
Essa é a regra geral, que costuma ser razoavelmente bem explicada pela teoria da estrutura das camadas do núcleo atômico que deu à americana Maria Goeppert-Mayer (1906-1972) um dos poucos prêmios Nobel em Física concedidos a uma mulher, em 1963. Mas a teoria também sugere a existência de algumas configurações "mágicas", em que é possível entulhar muito mais nêutrons do que prótons e ainda assim obter um núcleo razoavelmente estável.
Foi uma dessas configurações que o grupo encabeçado por Joel Fridmann, da Universidade Estadual da Flórida, atingiu. Para obter esse núcleo atômico "obeso", eles conceberam uma estratégia singular: dispararam núcleos de cálcio ricos em nêutrons num alvo de berílio. Dos choques, eles coletaram núcleos de enxofre, que voltaram a dirigir para um alvo de berílio. O resultado final foi um átomo de silício com 14 prótons e 28 nêutrons. Na natureza, os núcleos estáveis de silício têm 14, 15 ou 16 nêutrons, mas não mais.
Se por um lado o experimento não surpreende tanto (números de prótons ou nêutrons equivalentes a 2, 8, 20, 28, 50 e 82 já eram considerados teoricamente "mágicos"), por outro a produção desses átomos de silício vai permitir estudos minuciosos de como os núcleos se configuram.
"Para fornecer uma descrição satisfatória de todos os núcleos, o desafio continua sendo o de entender que mecanismos causam as mudanças na estrutura de camadas do núcleo conforme o número de prótons e nêutrons muda", argumenta Robert Janssens, do Laboratório Nacional de Argonne, EUA, que comentou o estudo de Fridmann na mesma edição da revista "Nature" em que foi publicado.
Mas para que serve entender em minúcias configurações atômicas tão incomuns? Janssens responde. "A razão é porque a natureza não negocia só com núcleos estáveis: processos como as reações nucleares nas estrelas muitas vezes envolvem núcleos exóticos bem distantes das configurações estáveis, especialmente os processos de nucleossíntese [criação de núcleos] em explosões estelares que produzem núcleos mais pesados que o carbono e o oxigênio."
Ou seja, para produzir, por exemplo, a prata e o ouro que se vêem na Terra hoje, as estrelas que os forjaram já tiveram um dia que lidar com uma quantidade apreciável de núcleos "mágicos". O famoso toque de Midas não parece estar tão fora de moda, afinal.


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