São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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MEDICINA

Especialistas pedem revisão da política de prescrição de estatinas, medicamentos que reduziriam risco de infarto

Médicos questionam drogas do coração

JEROME BURNE
DO "INDEPENDENT"

Você é homem e tem mais de 55 anos? Se é mulher, está acima do peso ou fuma? Se a resposta for sim, de acordo com a última recomendação médica você deve ir à farmácia mais próxima, comprar uma caixa do remédio Zocor para reduzir o colesterol e tomá-lo pelo resto da sua vida.
O médico John Reckless, presidente da sociedade de cuidado com o colesterol Heart UK e consultor em endocrinologia na Universidade de Bath, afirma que tal ação vai reduzir em 30% o risco de você ter um infarto. Recentemente, Reckless recomendou a inclusão de tais drogas, chamadas estatinas, no fornecimento de água, argumentando que elas são efetivas e extremamente seguras.
Desde agosto, se o seu médico não considerava o risco de você ter uma doença cardíaca suficientemente alto para prescrever o remédio, você podia comprar o Zocor (também conhecido como simvastatin) sem receita. E uma campanha publicitária apoiando a atitude acabou de ser lançada.
Mas poderia o entusiasmo vigente pelas estatinas ser motivado por interesses comerciais e baseado em dados mal-interpretados? Recentemente, alguns especialistas médicos saíram a público com detalhes preocupantes sobre como os benefícios largamente aceitos das estatinas são exagerados.
Suas preocupações foram descritas em uma carta aberta enviada para os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e o Programa Nacional de Educação sobre Colesterol, na qual pedem uma reavaliação radical das linhas de direção que regem o uso de estatinas.
Assinada por mais de 30 pesquisadores e clínicos de universidades e centros médicos prestigiados, incluindo Harvard, Cornell e Johns Hopkins, ela faz duas afirmações impressionantes: não haveria evidências de que as estatinas beneficiam mulheres não infartadas, e a redução dos níveis de colesterol em pacientes idosos aumentaria o risco de desenvolver outras doenças, como câncer.
Preocupações similares sobre o valor e a segurança das estatinas já haviam surgido, mas sempre de forma isolada por um ou outro pesquisador. Um dos críticos é o professor Tom Saunders, nutricionista no King's College de Londres, que se opõe à idéia de Reckless de colocar estatinas na água.
Ele afirma que as drogas têm efeitos colaterais "significativos", e levanta dúvidas sobre o valor para pacientes que não sofreram infarto. "O benefício é realmente restrito a pessoas que apresentam risco elevado", diz. "Não temos testes sobre o efeito da prescrição a grupos de baixo risco."
Outra crítica foi feita por John Abramson, da Escola Médica Harvard, citado no "British Medical Journal", opondo-se à venda sem receita das estatinas nos EUA. "Na prevenção primária [por exemplo, em pessoas sem doenças cardíacas], a terapia com estatinas não reduz significativamente a mortalidade ou o risco médio de doenças sérias", diz.
A carta para as NIH é um passo significativo, pois é a primeira vez que os oponentes da terapia com estatinas juntam forças.

Ação e reação
A carta foi uma resposta ao programa de educação sobre colesterol, lançado em 2001 pelo Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue. Ele recomenda que as estatinas sejam prescritas para mulheres com risco moderadamente alto de doenças cardíacas.
Isso é parte de um desafio maior para as autoridades médicas. Na semana passada, o FDA (órgão que regula remédios e alimentos nos EUA) determinou que os ISRS (Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina, um tipo de antidepressivo) deveriam ser vendidos com uma tarja preta de aviso. Por dez anos, associações profissionais de psiquiatria e empresas farmacêuticas afirmaram que os ISRS eram seguros. Mas resultados de testes, que críticos diziam ter sido ignorados ou suprimidos, finalmente convenceram o FDA que adolescentes tratados com as drogas são, na verdade, mais passíveis de se tornarem suicidas.
Os signatários da carta aos NIH obviamente suspeitam que há uma ligação similar com estatinas. Eles pedem "uma revisão independente, livre de conflitos de interesse, para rever todos os dados" sobre o assunto.


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