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Laboratório europeu vira "acelerador de boatos"
Pane que já dura um ano no experimento LHC alimenta especulações sobre riscos
Centro de física nuclear
sediado na Suíça contrata
pesquisador para desmentir
ficções, mas ganha turistas após obra de Dan Brown
RAFAEL GARCIA
EM GENEBRA
O maior laboratório de física
do mundo, o Cern, na fronteira
da Suíça com a França, está
com seu principal projeto atrasado em mais de um ano, mas
promete dar a volta por cima
até dezembro, assim que religar
o LHC, o acelerador de partículas gigante. Avariado desde o
ano passado, vítima de uma pane logo após sua inauguração, o
experimento mais aguardado
da década pelos físicos ainda
não gerou nenhuma ciência,
mas é cada vez mais eficiente
em produzir outro tipo de informação: boatos.
Nos últimos dois anos, uma
das principais ocupações dos
relações-públicas do Cern
(Centro Europeu de Pesquisa
Nuclear) tem sido a de desmentir histórias que se disseminam
no público e apavoram leigos
que nunca ouviram falar do experimento. As "lendas urbanas" em torno do laboratório
vão desde falsas acusações de
ligações terroristas até o risco
do surgimento de um buraco
negro que engoliria a Terra (veja quadro à direita).
O LHC (Grande Colisor de
Hádrons) consiste em um túnel
circular de 27 km dentro do
qual núcleos de átomos são
acelerados a velocidades próximas à da luz e postos em colisão
para "quebrar" a matéria em
seus subcomponentes elementares. A única intenção do laboratório, porém, é produzir conhecimento básico sobre física.
Um dos principais objetivos é
tentar detectar a partícula que,
em teoria, é aquela que confere
massa à matéria. Chamada pelos físicos de bóson de Higgs,
ela acabou popularizada como
"a partícula de Deus".
Com tamanho apelo midiático, não é surpreendente que o
Cern tenha sido usado em romances como "Anjos e Demônios", de Dan Brown. Nas últimas semanas, porém, físicos do
laboratório europeu estiveram
mais ocupados com solicitações da imprensa a respeito de
outra obra de ficção, "FlashForward", de Robert J. Sawyer,
que virou seriado de TV.
No livro, as consciências de
pessoas do mundo todo viajam
ao futuro e ficam "fora do ar"
no presente, efeito colateral
dos experimentos do LHC. É
tudo ficção, mesmo assim alguns cientistas já se apressaram em "desmentir" Sawyer.
"Aquilo que ele tenta sugerir
é mais uma especulação. Para
mim, a física que ele põe lá é implausível, se não for impossível", diz John Ellis, físico teórico que o Cern recrutou para comentar o livro. "Não quero dizer que projetar a consciência
de alguém no futuro não seja
uma ideia interessante, mas
não vai acontecer da maneira
como ele descreve."
Terrorismo
Um boato que exigiu um pouco mais de esforço dos físicos
foi o de que um cientista que
participava das preparações de
experimentos em um dos detectores do LHC tinha ligações
com a rede terrorista Al Qaeda.
Parte da imprensa especulou
que o homem, funcionário de
um instituto parceiro do Cern,
poderia estar procurando material de pesquisa para usar em
uma bomba. O Cern logo se pôs
à disposição da polícia francesa.
"Nenhuma de nossas pesquisas
tem potencial para aplicação
militar, e os resultados de todas
elas são publicados abertamente", disse o laboratório no dia 9,
logo após a prisão. A polícia ainda investiga o caso.
Uma coincidência infeliz ajudou a alimentar o medo de que
algo grave estivesse sendo tramado: o setor do LHC em que o
homem detido trabalhava é
aquele que vai lidar com a antimatéria -material usado para
produzir uma superbomba na
trama de "Anjos e Demônios".
Turismo
A despeito da confusão, funcionários do Cern não parecem
ter medo de uma eventual publicidade negativa que os escritores de ficção podem criai para
o laboratório. Exemplares de
"Anjos e Demônios" e "FlashForward" estão inclusive à venda na loja de souvenirs ao lado
da recepção do Cern.
""Anjos e Demônios" foi uma
coisa boa para nós, acho", diz
James Gillies, porta-voz do
Cern. Ele conta que, depois de
2005, o Cern começou a receber cada vez mais visitantes,
em razão do sucesso do livro.
"O tráfego no nosso website aumentou por um fator de dez e
nunca mais caiu."
Segundo Gillies, muitos viram entusiastas do Cern após
se darem conta de que o LHC
não oferece nenhum risco à segurança mundial. O laboratório
hoje recebe 60 mil pedidos de
visitação por ano e consegue
dar conta de metade deles.
A demanda motivou o Cern a
montar uma exposição permanente no Globo da Ciência, seu
famoso edifício esférico. Como
o numero de cientistas a trabalhar na instituição também deve crescer nos próximos anos, o
refeitório está sendo ampliado.
Agora, com uma linha direta de
bonde a ser construída ligando
o centro de Genebra ao Cern, a
demanda pelo turismo científico pode aumentar ainda mais.
"Nós não anunciamos o nosso programa de visitação, mas é
uma pena. Acho que deveríamos anunciar", diz Gillies.
"Muitos acham que o Cern é
um lugar secreto e privado,
quando na verdade é o oposto."
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