São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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+Marcelo Leite

A motosserra, fogo e trator


O MST não fica atrás de grileiros, madeireiros e pecuaristas


Se quiser manter a sigla famigerada, o MST pode dispensar o fogo do título e ficar só com a motosserra e o trator para mudar de nome. Seria mais coerente com sua marcha insensata de destruição.
O MST não fica atrás dos grileiros, madeireiros e pecuaristas mais atrasados. Em realidade, o movimento está na vanguarda, enquanto estes se encontram na defensiva. Sua liderança nasce do casamento infeliz de um esquerdismo primitivo com a agressão à vida vegetal típica do Brasil e tão bem narrada por Warren Dean no clássico "A Ferro e Fogo".
Mesmo quem só viu de relance na TV a cena da derrubada de milhares de pés de laranja, no interior paulista, há de ter levado um choque. Independentemente de ideologia, a imagem revolta. Eram árvores em pleno vigor, abatidas para alimentar a vaidade política de alguns gatos pingados metidos a revolucionários.
O MST é reincidente. Em março de 2006, mulheres da Via Campesina foram teleguiadas para destruir milhares de mudas de eucalipto em Barra do Ribeiro (RS) e vandalizar laboratórios de pesquisa sobre a demonizada árvore australiana. Alegaram algum tipo de irregularidade, como agora a suposta grilagem de terras, para atropelar a Justiça.
Desta vez, pelo menos, o governo federal não se refugiou no silêncio, como há pouco mais de três anos. Lula e sua então ministra, Marina Silva, demoraram a reagir naquela época. Não faltaram ministros, agora, para sentar a pua no MST -o que não atenua a realidade de vir da União boa parte das verbas que sustentam a entidade.
O papel de passar a mão na cabeça dos arruaceiros coube à Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica. Manifestou-se para afirmar que a ação, "por mais radical que possa parecer, escancara aos olhos da nação a realidade brasileira".
Por essa lógica, se um assentamento de reforma agrária na Amazônia derrubasse ilegalmente uma parte da floresta, o MST deveria ir lá com tratores e revolver o solo para destruir o capim do pasto mirrado que predomina em tantos desses experimentos fracassados de ocupação da região. Simpatizantes urbanos dos sem-terra podem sonhar com agricultura orgânica e sistemas agroflorestais sustentáveis, com feijão e milho vivendo em paz com árvores frutíferas e madeiras de lei nativas. Não é o que se vê em boa parte dos assentamentos.
Mais comum é topar, neles, com uma paisagem desoladora. Como não podem contar com tratores potentes para destocar suas áreas e preparar a terra, assentados recorrem aos métodos mais arcaicos de formação de pasto: derrubar algumas árvores com motosserras ou a machado, para deixar entrar a luz do sol e ressecar a matéria orgânica, e depois tocar fogo em tudo.
Com os nutrientes das cinzas e a chuva, as sementes de capins exóticos, como o braquiarão, brotam com vigor em meio à infinidade de troncos enegrecidos. Pelo menos nos primeiros anos, o gado, objeto de desejo de dez entre dez homens do campo, se alimenta literal e diretamente do capital natural dilapidado.
Um relatório do Incra divulgado há cinco meses apontou que 869 assentamentos, das 2.546 áreas de reforma agrária na Amazônia Legal, derrubaram 251,6 mil hectares de floresta. São 2.516 km2, quase o dobro da área do município de São Paulo, onde vivem 11 milhões de pessoas. Mais de um quinto do desmatamento de 2008 na Amazônia ocorreu em assentamentos. É a realidade brasileira, escancarada a ferro e fogo -do jeito que a CPT gosta.


MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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