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Novo livro do médico e escritor britânico Oliver Sacks mistura recordações de infância com histórias de heróis científicos, metais perfeitos e lâmpadas incandescentes
A química das memórias
Natalie Angier
do "The New York Times Book Review"
Em um ponto de suas divertidas, melancólicas, generosas e perspicazes memórias, Oliver Sacks reconta uma cena de sua biografia favorita, a história de Marie Curie escrita por sua filha, Eve. Numa noite de insônia, curiosos sobre como estariam seus
cristais de rádio, Marie e Pierre Curie voltaram ao laboratório, onde viram, escreve Sacks, "um brilho mágico
em toda parte, vindo de todos os tubos e vasos e bacias
contendo os concentrados de rádio". Os cientistas perceberam pela primeira vez que seu elemento era espontaneamente luminoso. Sua radioatividade lhe emprestava uma aura particular, auto-suficiente, que não precisava nem de oxigênio para persistir, como velas queimando no vazio.
Boa prosa é sempre descrita como sendo brilhante:
luminosa, resplandecente, reluzente, incandescente,
enfim, radiante. A narrativa de Sacks é tudo isso, e, às
vazes, não importa o quão detida seja a sua leitura, você
não consegue descobrir o que a torna tão iluminada.
Apesar de sua energia estilística, "Uncle Tungsten"
(Tio Tungstênio) é sobre vários tipos de luz: a luz que
veio em cores brilhantes e com odores fedorentos e explosões hilariantes nos experimentos de química do jovem Oliver em seu laboratório; a razão pela qual o
tungstênio serve melhor que o carbono como filamento
de lâmpadas e por que o tungstênio é, de fato, um "metal ideal" (daí o apelido do tio de Sacks, Dave, que o advogava); as emulsões fotossensíveis que Sacks laboriosamente misturava para si próprio, quando começou a
praticar fotografia amadora; as baterias que ele fez com
batatas, limões, cobre e zinco; e as descrições breves de
refletores, raios catódicos, raios X e bombas termonucleares maciças no coração de cada estrela.
Acima de tudo, o livro é sobre a luz da mente humana,
a capacidade que seres humanos têm de discernir padrões e organização em meio a uma natureza aparentemente caótica. Sacks rende homenagem para o seu panteão de heróis científicos. Alguns conhecidos, como Curie, John Dalton e Dimitri Mendeleiev. Outros, como o
"poeta-químico" Humphry Davy, menos familiares,
mas não menos dignos, pela sua pesquisa em eletroquímica e pelo isolamento de elementos como sódio, potássio, cálcio e magnésio -isso sem mencionar a exploração das propriedades anestésicas do
óxido nitroso.
Os esboços históricos são permeados
pelas histórias de Sacks e dos membros
de sua família e, como frequentemente é
o caso em se tratando de um livro dele, a
obra é abundante em notas de rodapé
-uma prática que (lemos isso em uma
nota de rodapé) é inspirada por Mendeleiev, o químico que rascunhou a tabela
periódica dos elementos e cujas publicações eram
"cheias de exuberantes notas de rodapé", que ficaram
tão enormes que "enchiam mais páginas que o texto".
Essas memórias são uma gema rara num gênero que
ficou vulgar. Elas nos revelam muito mais que a vida e
as lamentações de Oliver Sacks. Ao mesmo tempo, o autor não se esconde atrás de outras vidas ou pedantismo,
nem exibe seu intelecto como uma espécie de característica sexual secundária. Pouco a pouco, nós passamos
a conhecê-lo, e a suas mágoas, anseios emocionais e limitações. Por exemplo, no curso de uma dissertação
sob outros aspectos triviais acerca da natureza química
dos gases inertes, como o hélio, o radônio e o xenônio,
que não podem se combinar com outros elementos para formar compostos, Sacks insere a simples e triste nota de rodapé, dizendo que ele se "identificava às vezes
com os gases inertes... imaginando-os sozinhos, desconectados e querendo ligar-se".
Ainda assim, ele deixa claro que precisa desse afastamento. Ele o escolheu na
mesma medida em que isso foi atirado
sobre ele. Quando seu irmão Michael começou a sofrer alucinações e psicose,
Sacks sentiu "uma simpatia apaixonada
por ele" e "meio que sabia pelo que ele
estava passando", mas também se sentiu
distanciado do irmão que era mais próximo dele em idade. "Tinha de manter
distância", escreve Sacks, "criar meu próprio mundo a
partir da neutralidade e da beleza da natureza, para não
ser varrido para o caos, a loucura e a sedução [de Michael"".
Sacks nasceu em Londres em 1933, o mais novo de
quatro meninos. Seus pais eram médicos de agenda
cheia. O pai quisera ser neurologista, mas decidiu que
clínica geral seria algo mais "real"; e, apesar de Sacks
nunca dizer explicitamente, sua própria opção por seguir carreira em neurologia não foi acidente algum.
Ele diz várias vezes que sente que seus pais eram cegos
para seus problemas ou aflições, particularmente quando, em 1939, eles o mandaram embora de uma Londres
fustigada pela guerra para um internato no interior chamado Braefield. O diretor, escreve, era um sujeito "perturbado pelo próprio poder... sádico e mau", que batia
regularmente nos garotos "com prazer", até que eles
"mal pudessem sentar, durante dias". Ele queria desesperadamente que seus pais o tirassem da escola. Uma
vez, numa visita ao lar, ele trancou a cadela da família,
Greta, num depósito de carvão do lado de fora da casa,
onde ela quase morreu congelada. "Era uma mensagem", acrescenta, "chamando a atenção de meus pais
para o meu depósito de carvão, Braefield".
Oliver, criado numa família judia praticante, teve sua
fé massacrada pela guerra e por Braefield, misturando
um "ateísmo furioso" com nostalgia.
Mas o garoto tinha uma grande rede de segurança.
Sua família era grande, brilhante e extravagantemente
composta -mais de cem primos e dezenas de tios e
tias, cada um deles, na sua imaginação, com um dom de
mago diferente. Sua tia Len lhe ensinou a beleza dos números e como a matemática está refletida em toda parte. Seu tio Dave convidou-o a conhecer sua fábrica de
tubos a vácuo, onde ensinou a Sacks as propriedades
dos metais e os conceitos de ácido e de base. Seu tio Abe
lhe ensinou sobre física e espectroscopia.
Assim inspirado, Sacks levou um pequeno espectroscópio para casa e analisou as assinaturas espectrais de
luzes fluorescentes e de chamas do fogão a gás. Montou
seu próprio laboratório químico, onde manipulava materiais que nenhuma criança hoje em dia poderia tocar.
Ele e seus dois irmãos mais velhos faziam "vulcões"
com dicromato de amônia, ateando fogo a uma pirâmide de cristais alaranjados, que então ficavam vermelhos, lançavam fagulhas em todas as direções e inchavam como um Vesúvio em miniatura. Ele adorava as
cores da química, os tons rosados do cobalto e do manganês, o azul escuro dos sais de cobre.
Sacks leu muito e profundamente sobre seus temas,
mergulhando em textos dos séculos 18 e 19 para entender como as ciências evoluíram, e se voltou às biografias
e autobiografias para captar a humanidade dos mestres
da ciência. Ele tinha um quarto escuro e suas câmeras e
tocava piano com alguma seriedade. Ler sobre a sua infância faz com que se perceba que lamentável sumidouro uma televisão -e, agora, o videogame- pode ser.
Uncle Tungsten: Memories
of a Chemical Boyhood
De Oliver Sacks
337 páginas, Nova York, Alfred
A. Knopf
US$ 25.
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