São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 2002

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COMPORTAMENTO

Estudo polêmico com infratores juvenis indica que vitaminas, minerais e ácidos graxos afetam violência

Nutrição pode favorecer a agressividade

MARK PEPLOW
DA "NEW SCIENTIST"

Famílias desestruturadas, pobreza e falta de escola são frequentemente enumeradas por políticos como causas de delinquência. Agora, um grupo de cientistas britânicos afirma que boa parte do comportamento anti-social se deve simplesmente à má nutrição. Seus estudos sugerem que uma dose diária de vitaminas, minerais e ácidos graxos poderia ajudar a conter o crime.
Trata-se de uma afirmação ousada, recebida com ceticismo. Se os pesquisadores estiverem certos, eles terão triunfado onde várias gerações de políticos falharam, ao identificar uma maneira barata e fácil de reduzir a criminalidade. Será que ela se sustenta?
A pesquisa foi financiada pela organização filantrópica Natural Justice, que investiga as causas do comportamento anti-social. Seu diretor é Bernard Gesch, do departamento de fisiologia da Universidade de Oxford.
"As pessoas presumem que o comportamento anti-social é inteiramente um problema de personalidade", afirma. "Mas existe todo um substrato de fatores fisiológicos que pode ser medido cientificamente." Ele acredita que muitos presidiários sofrem de "má nutrição subclínica" -não grave o suficiente para causar escorbuto, por exemplo, mas capaz de provocar uma série de comportamentos anti-sociais.
O programa de pesquisas da Natural Justice começou em 1988, quando Gesch persuadiu juízes da Cúmbria (noroeste da Inglaterra) a deixá-lo testar suplementos alimentares em um agressor juvenil que havia resistido a todas as outras tentativas de reabilitação. Ele diz que o resultado foi uma melhora repentina.
Num segundo estudo de caso, a Natural Justice diz ter interrompido a carreira criminosa de uma menina elevando a dose diária de micronutrientes para o mínimo recomendado pelo governo.

Estudo com 231 jovens
O último estudo da organização foi feito durante nove meses numa instituição para agressores juvenis na cidade de Aylesbury. Os pesquisadores acompanharam o comportamento de 231 internos, monitorando o número de queixas de mau comportamento que recebiam dos carcereiros.
Metade dos reclusos tomou doses diárias de 28 vitaminas, minerais e ácidos graxos. O restante recebeu pílulas de placebo (medicamento inócuo). Os cientistas usaram métodos rigorosos de estudos médicos para assegurar a confiabilidade dos dados.
O resultado foi um assombro: internos que receberam o suplemento alimentar cometeram 37% menos agressões que o grupo do placebo. Quando o teste terminou, os níveis de violência voltaram ao normal.
Quando o estudo saiu na revista especializada "British Journal of Psychiatry" (bjp.rcpsych.org), no começo do ano, a Natural Justice convocou uma entrevista coletiva. Seguiu-se uma enxurrada de reportagens sobre pílulas anticrime, algumas não só chamando atenção para o experimento na prisão, mas também para a possibilidade de que níveis crescentes de violência na sociedade fossem causados por má nutrição.
Como era de esperar, muitos cientistas pedem cautela. Chris Bates, da Unidade de Nutrição Humana do Conselho de Pesquisa Médica, em Cambridge (Reino Unido), apresenta uma visão típica: "É preciso manter-se cético até que os dados sejam confirmados por uma ou mais replicações".
David Benton, da Universidade de Swansea, que estuda a ligação entre dieta e humor, concorda: "A prisão é um cenário que amplifica o efeito da dieta, porque o ambiente é parecido para todo mundo. Assim, mudanças na dieta têm um impacto que não seria aparente no mundo exterior".

Implicações profundas
Muitos cientistas respeitados, no entanto, acreditam que a pesquisa tem implicações profundas. "Eu acho, sim, que se trata de um achado que precisa ser levado a sério", diz Bates. Peter Rogers, professor de psicologia na Universidade de Bristol, diz que o efeito Aylesbury é um "resultado memorável e potencialmente muito importante".
Estudos similares têm sido feitos ao longo dos últimos 25 anos. Stephen Schoenthaler, criminologista da Universidade Estadual da Califórnia em Long Beach, um dos principais proponentes do elo entre criminalidade e dieta, completou três ensaios com resultados similares. "O estudo de Aylesbury verifica independentemente o que proponho há 20 anos", diz.
Os estudos de Schoenthaler foram acusados de empregar metodologia falha, no entanto, e ele próprio é uma figura controversa.
Juliet Lyons, do Fundo de Reforma de Prisões do Reino Unido, ressalva que qualquer contato carinhoso com um adulto -mesmo uma conversa rápida durante a administração da pílula- pode ter impacto no comportamento.
Gesch, no entanto, diz que o experimento foi desenhado para eliminar essa possibilidade. O grupo-controle teve exatamente a mesma quantidade de contato ao tomar as pílulas, mas não teve melhora significativa.

Sem "Nature" e "Science"
O fato de que a Natural Justice tem sua razão de ser em mostrar que o crime está ligado à dieta pode ter sido um dos fatores para a "Nature" e a "Science" terem rejeitado o manuscrito de Gesch. Uma fonte na "Nature" afirma, no entanto, que a revista raramente publica estudos psicológicos -especialmente quando não exploram as bases biológicas de um comportamento particular.
Embora os nutricionistas admitam que sabem muito pouco sobre como a dieta afeta o cérebro, eles concordam que ácidos graxos ômega-3, encontrados primariamente em peixes oleosos como o atum, são importantes para a produção de serotonina, o neurotransmissor responsável pelo humor. "É plausível que suprir presos com esses ácidos graxos essenciais tenha melhorado o funcionamento de seu sistema serotoninérgico", diz Joseph Hibbeln, do Instituto Nacional de Alcoolismo e Abuso de Álcool (EUA).
As vitaminas geralmente ajudam a acelerar reações químicas no cérebro. Por exemplo, a vitamina B6 é importante para a síntese de vários aminoácidos, enquanto a B3 é essencial para gerar energia. "Nossa dieta provê o cérebro com energia e com os tijolos básicos dos neurotransmissores", diz Gesch. Ele argumenta que, se a dieta de alguém é pobre, seu cérebro não funciona direito.
A Natural Justice já está planejando um estudo para tentar esmiuçar como tais micronutrientes afetam a fisiologia. Gesch está trabalhando com a Unidade de Nutrição Humana do Conselho de Pesquisa Médica para elaborar um experimento que dirá o que acontece no cérebro dos presos quando recebem as pílulas.



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