|
Próximo Texto | Índice
EVOLUÇÃO
Dupla afirma que homem é adaptado a corridas de resistência e que isso ajudou a desenvolver cérebros grandes
Correr moldou biologia humana, diz estudo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O nome da espécie é Homo sapiens, homem que sabe. Mas um
estudo publicado hoje por uma
dupla de cientistas americanos
bem poderia justificar que o ser
humano fosse conhecido como
Homo cursor -homem que corre. Eles argumentam que a capacidade de correr grandes distâncias
pode ter ajudado a definir o que
nos torna humanos, incluindo aí a
maior distinção entre nós e os outros primatas: o cérebro grande.
A hipótese ousada foi proposta
pelo paleontólogo Daniel Lieberman, da Universidade Harvard, e
seu colega Dennis Bramble, hoje
na Universidade de Utah, ambas
nos Estados Unidos.
Num artigo científico que saiu
na edição de hoje da revista "Nature" (www.nature.com), eles
reúnem diversas marcas deixadas
pela evolução no corpo do homem moderno que o tornam especialmente adaptado a corridas
de resistência.
Essas características estão ausentes em outros parentes próximos do homem, como os chimpanzés, e também nos hominídeos mais remotos, como os australopitecos. Elas começam a aparecer somente há cerca de 2 milhões de anos, com o surgimento
do gênero Homo. Curiosamente,
algumas delas estão também presentes em animais corredores, como cavalos e gnus.
Uma das mais salientes marcas
biomecânicas da corrida são as
nádegas grandes, uma exclusividade do gênero humano. Ausente
em todos os outros primatas, a
proverbial bunda -o nome técnico do músculo é "gluteus maximus"- é um recurso valioso
quando se está correndo.
"Quando corre, você se inclina
para a frente e sempre está para
cair", disse à Folha Dan Lieberman, que costuma animar suas
aulas de evolução humana em
Harvard imitando o jeito de andar dos chimpanzés. "O "gluteus
maximus" impede que você caia.
Você o usa para correr, mas quase
não o usa para andar. Até onde sabemos, traseiros grandes são exclusivos do [gênero] Homo."
Porcos na esteira
Segundo Lieberman, a capacidade de correr longas distâncias
sempre foi desprezada nos estudos de evolução. Em geral, acreditava-se que a corrida fosse um
subproduto do bipedalismo e das
adaptações para caminhar.
Isso porque seres humanos são
péssimos velocistas, capazes de
sustentar velocidades de 10 m/s
(36 km/h) por menos de dez segundos. Animais como cavalos e
cachorros mantêm o dobro disso
por vários minutos.
No entanto, ninguém havia percebido que os humanos são bons
maratonistas, sustentando corridas de resistência por horas.
Lieberman e Bramble começaram a se dar conta disso por acaso, durante um experimento que
consistia em fazer porcos correrem numa esteira para ver como
os ossos respondiam a exercícios.
"Dennis entrou no laboratório e
comentou como os porcos não
conseguiam sustentar a cabeça
durante a corrida. Perguntei por
que e ele sugeriu que isso se devia
à falta de um ligamento nucal
-que vai da parte de trás da cabeça até a coluna e está presente
em cavalos e humanos, mas ausente na maioria dos mamíferos",
lembra Lieberman. "Então começamos a procurar evidências desse ligamento em crânios de australopitecinos e Homo", conta.
A hipótese da dupla é que o homem moderno evoluiu para andar e correr grandes distâncias.
No passado, hominídeos com
corpos mais adaptados a essas atividades teriam sobrevivido e deixado mais descendentes.
A capacidade de correr deve ter
conferido vantagens na obtenção
de comida -perseguindo presas
ou garantindo pedaços ricos em
proteína, como miolo e tutano, de
animais mortos.
Cérebro carniceiro
A julgar por evidências arqueológicas, roubar de hienas restos
das presas dos leões era um hábito
dos ancestrais humanos. "Não há
como um humano escapar de hienas. Mas podíamos competir com
elas para chegar primeiro às carcaças", diz Lieberman.
O desenvolvimento do cérebro
grande que caracteriza o homem
moderno poderia ter sido indiretamente impulsionado por essa
capacidade. A hipótese dos pesquisadores é que os corredores
primitivos tinham mais acesso a
proteínas, o que eliminou uma limitação importante ao desenvolvimento do cérebro -órgão que
custa muito em termos energéticos. "Corpos modernos parecem
ter surgido antes de cérebros
grandes", diz Lieberman.
Próximo Texto: Política científica: Fapesp agirá no setor industrial, diz novo diretor Índice
|