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Discípulo de Dian Fossey diz que grandes mac acos geram mais renda para a África vivos que mortos
Gorilas no crepúsculo
Lorna Arness
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O biólogo Ian Redmond acaricia Pablo, um gorila macho adulto selvagem, nas montanhas de Ruanda |
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
É
uma figura quase arturiana a
do biólogo Ian Redmond:
com mais de 1,90 metro, cabelos e barba louro-ruivos, esse
britânico de 51 anos provavelmente
ficaria à vontade na Távola Redonda. Mas o Graal que ele defende é
muito mais frágil e quase tão precioso quanto o da lenda: os últimos
grandes macacos do planeta, primos-irmãos da humanidade.
Redmond é o consultor-chefe do
Grasp (sigla inglesa para "Projeto
para a Sobrevivência dos Grandes
Macacos"), estabelecido pelas Nações Unidas para tentar salvar da extinção as populações cada vez mais
encurraladas de chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos. O pesquisador, apesar da timidez e da voz
mansa, claramente incorpora a paixão que o trabalho exige. É para o
bem da própria humanidade e da
Terra que vale a pena salvar os símios da extinção -e não só por razões históricas, argumenta.
"Animais como os grandes macacos são essenciais para a saúde das
florestas tropicais onde vivem, dispersando as sementes das frutas que
comem e renovando a estrutura da
mata ao quebrar galhos. São os jardineiros da floresta. E sabemos o
quanto essas matas são importantes
para o clima do planeta", diz. Especialista em gorilas e ex-aluno da lendária Dian Fossey, que morreu defendendo esses animais em 1985 e
inspirou o filme "Nas Montanhas
dos Gorilas", com Sigourney Weaver, Redmond falou à Folha por telefone de Bristol (Reino Unido).
Folha - Um encontro internacional
realizado há três meses pelo Grasp em
Kinshasa, na República Democrática
do Congo, tentou marcar uma virada
na conservação dos grandes macacos.
Quais foram os principais resultados
práticos dessa conferência?
Ian Redmond - Bem, ele resultou
num compromisso por parte de ministros de muitos países para enfrentar o problema. Para a comissão
científica do Grasp, o resultado foi
uma lista-rascunho de populações
prioritárias, as quais, se forem protegidas, assegurarão a sobrevivência
de todos os tipos de grandes macacos. O problema desta crise é que a
maioria dos 23 países com grandes
macacos são muito pobres, vários
são politicamente instáveis e têm necessidade de gerar renda nacional a
curto prazo. E o mais provável é que
eles façam isso vendendo a madeira
da floresta ou os minerais debaixo
dela, de forma insustentável, o que
causa o declínio das populações de
grandes macacos.
Assim, resolver esse problema
também envolve a cooperação dos
países mais ricos, os quais compram
a madeira e os minerais cuja extração afeta esses habitats. Então, foi
muito bom ver que houve o comprometimento dos países europeus,
dos EUA e do Japão, não apenas para ajudar em projetos de conservação mas também para melhorar sua
própria folha de exportações.
Não temos recursos suficientes para salvar todas as populações em todos os lugares, e portanto temos de
estabelecer prioridades. Para alguns
grupos, já é tarde demais, e temos de
concentrar nos que podem ser viáveis. É claro que tem gente se perguntando: "Mas o que quer dizer
viável?". Em alguns casos a população já caiu abaixo do nível que seria
considerado viável, mas é tudo que
nós temos, então é preciso trabalhar
com aquilo.
Também é preciso identificar as
ameaças, que variam muito de um
lugar para outro. Nem sempre é possível utilizar a proteção governamental. Muitas vezes temos de adotar enfoques mais comunitários,
oferecer alternativas às pessoas que
estão destruindo os animais, e isso é
muito mais complexo: temos de
achar maneiras de reduzir a pobreza
por lá. Mas cada vez mais reconhecemos que o futuro dos grandes macacos tem de estar ligado ao desenvolvimento sustentável para os seres
humanos que vivem perto deles.
Folha - Os países mais pobres mostram algum ressentimento em relação ao projeto -algo como "esses estrangeiros se preocupam mais com
macacos do que com pessoas"?
Redmond - Isso é certamente um
fator entre os mal-informados. Tentamos mostrar a esses países que, na
verdade, eles têm muita sorte de
contar com os grandes macacos em
seu território. A imensa maioria dos
países do mundo não os têm, e só
duas ou três das nações com grandes
macacos desenvolveram o turismo
ligado a eles. Em Ruanda e Uganda,
isso se tornou uma das maiores fontes de renda vinda do exterior.
Quando você é um país pobre, como Ruanda, que tem muito pouco
de riqueza mineral ou outros recursos, pode acabar descobrindo que
esses estrangeiros esquisitos pagam
US$ 375 para passar uma hora sentados perto de um monte de gorilas.
E em outras parte de Ruanda e
Uganda as pessoas pagam US$ 100
para fazer o mesmo com chimpanzés -é meio injusto que elas paguem mais pelos gorilas (risos).
Em Uganda, 20% da renda desse
turismo volta para as comunidades
que vivem perto dos animais, com
benefícios muito reais em termos de
desenvolvimento e empregos -enquanto, algumas centenas de quilômetros a oeste, as pessoas estão matando os grandes macacos para vender sua carne por, no máximo, poucas dezenas de dólares o quilo.
Desse jeito, as pessoas podem se
dar conta de há maneiras muito melhores de ganhar dinheiro com eles,
mesmo se deixarmos de lado os valores éticos de preservar mamíferos
inteligentes e de vida social complexo que compartilham muitas características dos seres humanos. Do
ponto de vista prático, há outro ponto muito importante. Se você quer
utilizar a floresta como fonte de frutas, medicamentos, ou mesmo madeira, e não apenas derrubá-la para a
agricultura, você precisa dos grandes macacos, porque eles são parte
importante da ecologia ali.
Muita gente não entende isso, e é
muito importante deixar claro que
os grandes macacos, assim como todos os mamíferos grandes e comedores de frutas, são os jardineiros da
floresta. E se você valoriza a floresta,
não mate os jardineiros, para poder
se beneficiar dela para sempre.
Folha - O sr. se refere ao papel deles
dispersando sementes de árvores, por
exemplo?
Redmond - Sim, eles ajudam a dispersar sementes [depois de comer os
frutos], quebram galhos e abrem buracos no dossel [parte mais alta da
floresta] que aumentam a luminosidade e estimulam o crescimento de
plantas ao nível do chão... eles afetam a arquitetura da floresta. Por isso é que nós ressaltamos que não temos de proteger a mata pelos macacos, mas sim proteger os macacos
pela mata (risos). Numa época em
que o mundo está cada vez mais
preocupado com a perda das florestas, principalmente quando se leva
em conta que elas seqüestram carbono do ar e minimizam o aquecimento global, é preciso cuidar da
saúde delas, e isso significa manter
uma população saudável de animais
dentro delas.
E é por isso que, nos projetos de
reintrodução de animais que estavam em cativeiro, por exemplo, precisamos ter muito cuidado e escolher os lugares onde os grandes macacos se foram mas as florestas ainda
existem, porque a mata precisa dos
seus jardineiros.
Folha - Com a atual onda de criacionismo, este é um mau momento para
enfatizar a proximidade de parentesco entre humanos e grandes macacos? Como convencer uma pessoa que
não acredita na evolução do valor intrínseco deles?
Redmond - Acho que qualquer um
que tenha tido a oportunidade de
conhecer um grande macaco verá as
semelhanças. Agora, se elas foram
colocadas lá pelas mãos do Deus
Criador ou pelo acaso da evolução
não importa realmente. Eles são fascinantes, e as pessoas ficam fascinadas por eles, seja lá como interpretem as semelhanças. Como eu disse
agora há pouco, precisamos reconhecer a importância deles, independente de como eles tenham vindo parar neste planeta (risos).
De qualquer maneira -se estamos tentando proteger a criação de
Deus ou se somos mais pragmáticos
e queremos manter o sistema de suporte de vida do planeta funcionando (risos)-, deve haver o consenso
de que essa é uma tarefa importante.
E nós teremos o luxo de discutir as
implicações filosóficas e religiosas
no futuro distante. Mas seria muito
triste ter de debater a origem das espécies com os verbos no passado,
como uma argumentação paleontológica [sobre fósseis], porque não
existem mais grandes macacos vivos
na face da Terra.
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