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GEOLOGIA
Pesquisador da Petrobras descobriu em rochas de Pernambuco evidências do evento, ocorrido há 65 milhões de anos
Nordeste guarda registro de megatsunami
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O maior tsunami de que se tem
notícia também atingiu o Brasil,
com ondas de 20 metros de altura
arrasando o litoral do Nordeste.
Felizmente não havia nenhum ser
humano por lá: a tragédia ocorreu
há 65 milhões de anos, no final da
era dos dinossauros. Sua única
memória está guardada em um
paredão de calcário no litoral de
Pernambuco, que seu descobridor quer ver preservado como
monumento geológico nacional.
O megatsunami foi um dos efeitos imediatos da queda do asteróide que eliminou os dinossauros e mais metade da vida no planeta, encerrando a chamada Era
Mesozóica e o reinado dos grandes répteis sobre a Terra.
No Brasil ele até que foi suave.
Mas, nas imediações do local do
impacto, a península de Yucatán,
no México, formaram-se ondas
de até 1 quilômetro de altura, que
destruíram completamente o
Haiti e partes do litoral mexicano
e norte-americano.
O cataclismo foi tão grave -estima-se que o impacto tenha liberado, instantaneamente, uma
energia equivalente a 10 mil vezes
a explosão de todo o arsenal nuclear do planeta- que mudou a
geologia do continente. Os escombros do maremoto foram
preservados nas rochas da região
afetada, o que tornou possível aos
cientistas estabelecer o local da
queda, a cratera de Chicxulub.
Maria Farinha
As primeiras evidências do tsunami no Brasil foram encontradas pelo geólogo Alberto Athayde
Albertão, da Petrobras. Estudando as rochas calcárias da chamada
formação Maria Farinha, no litoral de Pernambuco e Paraíba, o
cientista descobriu uma série de
anomalias ligadas ao impacto que
extinguiu os dinossauros e à onda
monstruosa provocada por ele.
Trata-se do único local em toda
a América do Sul onde foi encontrado um registro geológico da
chamada fronteira K-T (Cretáceo-Terciário), o limite entre as
eras marcado pelo choque do asteróide. Entender esse limite é
fundamental para a compreensão
de como evoluiu a vida na Terra,
pois ele encerra uma das maiores
extinções em massa da história.
As evidências da fronteira K-T
têm sido encontradas em lugares
tão diferentes quanto a Itália, a
Dinamarca e a Nova Zelândia.
Elas consistem principalmente
em microesférulas (grãos de vidro
microscópicos produzidos pelo
calor do impacto e lançados na atmosfera), no chamado quartzo de
impacto (cristais também transformados pelo choque) e em níveis anormais de irídio, um elemento químico raro trazido à
Terra por meteoritos.
Tais pistas nunca haviam sido
localizadas na África ou na América do Sul, o que levou alguns céticos a duvidar da hipótese da
queda de asteróide como causadora da extinção dos dinossauros
No meio dos anos 90, Albertão,
então aluno de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto,
se lançou à busca. "Achei que fosse estar procurando uma agulha
no palheiro", recorda-se. "Tinha
todas as bacias sedimentares do
país para procurar."
Maremoto
O pesquisador foi levado a Pernambuco após o levantamento de
todas as rochas suspeitas de abrigar a fronteira K-T na base de dados da Petrobras. Foi parar na pedreira Poty, uma mina de calcário
a 2 quilômetros do mar no município de Paulista, perto de Recife.
O local já havia sido estudado
por paleontólogos (especialistas
em fósseis) da Universidade Federal de Pernambuco. E havia coisas estranhas ali: fósseis de foraminíferos, animais marinhos microscópicos cujas carapaças compõem a rocha calcária, eram substituídos por outras espécies de repente ao longo do paredão rochoso. Uma análise química realizada
nos EUA confirmou que, em um
certo ponto da rocha, havia 69 vezes mais irídio do que no restante
dela. E as microesférulas de vidro
estavam lá.
Mas não foi só: Albertão também encontrou no nível das anomalias fragmentos de rocha e fósseis de vários tamanhos diferentes
misturados à rocha, numa maçaroca que dava a impressão de que
algum evento catastrófico havia
revolvido completamente o fundo do mar -um maremoto.
Em um artigo científico publicado em 1996 no periódico "Sedimentary Geology", Albertão calculou a altura e a velocidade das
ondas capazes de produzir uma
perturbação tão grande: 20 metros e 112 km/h. Agora, ele prepara uma descrição mais detalhada
do tsunami, a ser publicada até
2007 num livro pela editora holandesa Elsevier.
O cientista tenta desde 2003
transformar o paredão da pedreira Poty num sítio do patrimônio
geológico nacional. O comitê do
patrimônio já aceitou a proposta.
"Mas é preciso anuência da empresa e a sensibilização das autoridades locais para fazer um projeto de preservação ali", conta.
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