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Agronegócio é aliado da mata, diz ecólogo
Para americano, Brasil pode adotar sistema de certificação para gado e soja que preservem a Amazônia
DO ENVIADO A SAN FRANCISCO
O novo presidente da AAAS
(Associação Americana para o
Avanço da Ciência), John Holdren, deixou clara a sua marca
na palestra de abertura do encontro anual da entidade em
San Francisco. Em uma análise
global sobre o nó sócio-econômico-ambiental que tem como
maior crise a mudança climática, ele colocou como um dos
atuais desafios da humanidade
lidar com a expansão descontrolada da agroindústria -sobre Amazônia, por exemplo.
Para tratar sobre o avanço da
agropecuária sobre a floresta
tropical, a AAAS preparou um
simpósio com participação do
americano-brasileiro Daniel
Nepstad, ligado ao Centro de
Pesquisa de Woodshole -que
Holdren também preside- e ao
Ipam (Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia).
Nepstad acaba de publicar
um estudo mostrando que a demanda globalizada de soja e
carne gera pressão, mas também oportunidades para criar
uma cultura que reverta esse
processo. Para ele, se for possível qualificar produtores para
exportar para países mais exigentes, será possível criar uma
força de mercado atuando em
favor da preservação.
(RG)
FOLHA - Como o sr. acha que o mercado globalizado vai criar pressão
para preservar a Amazônia? A China
não parece estar muito preocupada.
Daniel Nepstad - Ainda não há
muita pressão da China, mas
pode haver. A pressão principal
vem da Europa, mas isso se manifesta em vários caminhos. O
exemplo concreto mais recente
foi a moratória [ao plantio de
soja em áreas desmatadas de
floresta] à qual à Abiove [associação que reúne grandes produtores de soja] aderiu.
O Banco do Brasil está desenvolvendo uma linha de crédito
com juro menor, para quem
tem bom desempenho socioambiental. O ABN Amro já
avalia alguns pedidos de financiamento usando esses critérios. A rede Pão de Açúcar, por
exemplo, está procurando fontes de carne sustentáveis. Mas
esses supermercados e instituições financeiras ainda não sabem muito como identificar e
como achar esses produtores.
FOLHA - Como isso será feito?
NEPSTAD - Para a certificação
ter peso ela tem de ser implantada com vários setores negociando juntos. Um exemplo
disso é a Mesa Redonda da Soja
Responsável. O Ipam é a única
ONG brasileira que faz parte do
comitê organizador em um
processo que vai definir uma
certificação internacional nos
próximos dois ou três anos. Em
paralelo existe uma certificação agroindustrial brasileira
sendo desenvolvida por um
grupo de oito instituições.
O Brasil é tão grande e tão potente na agroindústria que,
existindo essa certificação brasileira, ela se disseminaria,
acho, para vários outros países.
Para mim o grande risco é ter
um sistema de certificação que
é tão restritivo que não bate
com a realidade do produtor. Aí
todo mundo largaria, e a coisa
ficaria aí "para inglês ver". Na
primeira etapa vamos atacar
aquelas coisas mais simples, vamos tirar os bois da água dos
rios, vamos evitar incêndio florestal nas fazendas e tentar caminhar para cumprir a legislação do código florestal.
FOLHA - Mas se a carne brasileira
começar a vender mais, o desmatamento não vai aumentar?
NEPSTAD - Vai. Mas por outro
lado existe uma grande oportunidade para o Brasil virar esse
jogo. O Brasil parou a rodada de
Doha devido à falta de concessões por parte dos EUA e da Europa nos subsídios agrícolas.
Agora, o Brasil poderia também
chegar na mesa e dizer: "Quem
de vocês tem um código florestal que define uma reserva legal?" O Brasil não aproveita essa legislação ousada que tem.
Folha - O sr. defende que a certificação ambiental adote um modelo
de fiscalização como o da controle
da febre aftosa. Como funcionaria?
NEPSTAD - Na aftosa existe um
interesse muito forte do pecuarista em eliminar a doença na
sua região, porque uma vez eliminada ele pode exportar e ganhar acesso a outros mercados.
A gente tem de entrar numa
certificação de agroindústria de
uma maneira que aproveite a
"fiscalização de vizinho", como
na aftosa. Assim como um cara
denuncia o vizinho que deixou
de vacinar o gado, ele pode denunciar o vizinho que deixou o
fogo escapar e queimou a mata.
A transparência vai ser o preço
para participar nos mercados.
FOLHA - A pressão internacional
para que os países pobres reduzam
suas emissões de gases do aquecimento global vai resultar em pressão real para preservar a Amazônia?
NEPSTAD - Eu acho que sim.
Dentro de alguns anos o Brasil,
se conseguir manter a taxa de
desmatamento reduzida ou reduzir mais, vai conseguir capturar recursos internacionais
para isso. Está sendo construído um mecanismo de mercado
liderado por uma coalizão de
nações tropicais. Tudo depende da postura do Brasil quanto
ao pagamento ser voluntário ou
de mercado. A crítica é que não
há recurso para criar um fundo
voluntário, como o que o Brasil
propõe, e por isso a proposta
seria meio sem substância.
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