São Paulo, sexta-feira, 19 de março de 2010

Índice

Grupo explica "cabeça dura" de adolescente

Teste com camundongo identifica como puberdade atrapalha aprendizado; cientistas propõe droga contra mecanismo

Pesquisadora diz ser contra uso de fármaco para alterar comportamento de crianças normais; substância está relacionada com motivação


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

É comum ouvir a piada de que a cabeça dura dos adolescentes é uma doença sem cura e que o único jeito de pais lidarem com esse problema é esperar que os filhos cresçam e aprendam a ouvir os outros. Um grupo de cientistas nos EUA, porém, acaba de anunciar a descoberta do mecanismo celular que afeta a capacidade de aprendizado na puberdade e mostrou como uma droga é capaz de reverter o processo.
O fenômeno, por ora, foi demonstrado apenas em camundongos, num experimento que submeteu roedores adolescentes a tarefas de aprendizado (veja quadro à dir.). Em estudo na edição de hoje da revista "Science", cientistas liderados por Sheryl Smith, da Universidade do Estado de Nova York, ligam o problema dos roedores "teens" a uma proteína específica, a alfa4-beta-delta.
Essa molécula é um receptor celular. Ela atua como uma "fechadura" bioquímica que fica na superfície da célula e a faz reagir de determinada maneira, de acordo com a presença ou ausência de certa substância: a "chave" que se liga ao receptor. Os americanos mostraram que o receptor estudado por eles prolifera durante a puberdade no hipocampo, região cerebral crucial para o aprendizado.
Cientistas já sabiam que a puberdade afeta a capacidade de aprender. Em humanos, a memória linguística e aquela que usamos para mapear o espaço a nossa volta ficam prejudicadas. O melhor período para os pais ensinarem as coisas mais básicas às crianças, por isso, é antes dos 10 ou dos 12 anos, quando a puberdade começa a produzir alterações em meninas e meninos.
"Nos primórdios da humanidade, ou quando éramos simples animais, o período anterior à puberdade era aquele em que efetivamente aprendíamos com nossos pais coisas como arranjar comida, encontrar o caminho para casa e habilidades básicas", afirma Smith.
Ela defende a tese de que a mente evoluiu para equipar indivíduos que deixavam o núcleo familiar ainda no início da adolescência, já em busca de parceiros para constituir família. Nesse contexto, a dificuldade de aprender com os pais estimularia outros tipos de aprendizado. "Não queremos mais isso, mas as coisas evoluíram para isso", afirma Smith.

Obediência química
Com suas cobaias, ela mostrou como uma dose extra do esteroide THP, um hormônio ligado ao estresse e à motivação, pode reverter o deficit de aprendizagem. Administrando a droga no hipocampo dos animais, ela fez com que eles voltassem a aprender bem. Smith, porém, discorda da ideia de que a puberdade seja um "problema" que requer ser tratado.
"Não seria uma boa ideia tratar crianças ou adolescentes em geral com uma droga assim, mas algumas crianças têm mais dificuldade de aprender, e nelas o deficit de aprendizagem da puberdade é pior", explica. Uma droga poderia ajudar nesses casos, diz a pesquisadora, mas o THP não seria adequado. "O ideal seria desenvolver uma droga mais seletiva para a alfa4-beta-delta, pois o THP afeta muitos outros receptores."
Uma questão ainda em aberto, porém, é se uma droga assim não correria o risco de cair na mesma controvérsia que os medicamentos para crianças com deficit de atenção enfrentam hoje. Alguns psiquiatras acusam colegas de receitarem a droga ritalina para crianças normais apenas por comodidade dos pais e professores, pois o fármaco costuma deixar as crianças mais quietas.
Smith critica essa conduta. Segundo ela, formas amenas de estresse que deixam a criança motivada, e não acuada, causam liberação natural de THP no cérebro. "A motivação para melhorar seria o melhor modo de abordar o deficit de aprendizagem na puberdade", afirma.


Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.