São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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Ciência em Dia

O circuito impresso e o mosaico

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

A semana terminou com boas novas para todos os gostos, em matéria de influência dos genes na conformação do cérebro, ambas no periódico "Nature" (www.nature.com). Um dos artigos publicados reforça a noção de que o órgão usado -quase sempre- para pensar o faz por meio de circuitos neuronais pré-impressos segundo um plano determinado pelos genes. O outro sugere que há uma boa dose de acaso no processo e que os cérebros, do ponto de vista genético, se parecem mais com mosaicos, nunca idênticos entre si.


A semana terminou com boas novas para todos os gostos, em matéria de influência dos genes no cérebro


O primeiro estudo foi realizado por uma equipe da Universidade Stanford com moscas-das-frutas (drosófilas). Manipulando o gene "fru" dos insetos, o time conseguiu fazer fêmeas manifestarem um comportamento sexual característico de machos. Na realidade, trata-se de pesquisa muito similar à que havia saído duas semanas atrás na capa do periódico "Cell" (um grupo da Áustria furou o de Stanford), reativando o debate sobre determinismo genético no comportamento sexual. Ponto para quem acredita que tudo está e sempre esteve escrito nos genes.
Na mesma edição da "Nature", porém, saiu um trabalho que conta com um casal brasileiro entre seus seis autores, Alysson Muotri e Carol Marchetto. Eles trabalharam com um tipo misterioso de seqüência de DNA (material genético), os LINE-1 (ou L1). Não são genes, mas um DNA que já foi chamado de "lixo" e "parasita" por ter a habilidade de saltar e se inserir em vários pontos do genoma.
Os L1 e seus comparsas são os elementos mais abundantes do genoma humano, embora ninguém saiba ao certo sua função. Esses trechos enigmáticos de DNA têm uma longa história. Genes "saltadores" haviam sido aventados já em 1949 por Barbara McClintock, que estudava a genética de grãos de milho, mas desconsiderados. Sua hipótese genial só seria reconhecida devidamente com um Nobel em 1983, meros 34 anos depois.
Agora, a equipe de Muotri e Marchetto (ambos com doutorado da USP), liderada por Fred Gage do Instituto Salk (EUA), acredita ter encontrado uma função para os L1 num local inesperado: o cérebro. De roedores, por ora, mas eles já trabalham para verificar se o mesmo ocorre em humanos. Eles constataram que L1 de humanos, quando enxertados em tecido cerebral de roedores, tendem a se posicionar na vizinhança de genes muito usados por células imaturas no processo de diferenciação, ou seja, na sua transformação em células especializadas, como neurônios.
Os pesquisadores vão mais longe. Acreditam que os L1 funcionam como um gerador de diversidade, produzindo células muito diferentes entre si, mesmo no caso daquelas de mesmo tipo, para posterior seleção. "Variabilidade no cérebro significa, entre outras coisas, diferentes idéias, personalidades, preferências, atitudes, estados de consciência e pensamento", escreveu Marchetto num e-mail. "Enfim, se pegarmos dois gêmeos geneticamente idênticos, seus corações serão muitíssimo parecidos (se não idênticos!), mas eles definitivamente pensarão diferente, terão gostos diferentes." Ponto para quem acredita que genes não são a versão pós-moderna do destino.

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