São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006

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Zoólogos fazem dicionário sobre os animais do Brasil

Obra em dois volumes deve incluir nomes populares e científicos das espécies

Número de verbetes pode ultrapassar os 40 mil; com lançamento previsto para 2009, trabalho usou relatos que remontam ao século 15


RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

Dois zoólogos estão produzindo um dicionário que deve cobrir a lacuna entre as sabedorias popular e científica sobre animais brasileiros. Nelson Papavero, do Museu de Zoologia da USP, e Dante Teixeira, do Museu Nacional (UFRJ), estão a poucos anos de completar o trabalho hercúleo de compilar o maior número possível de nomes vulgares (não-científicos) de bichos do Brasil.
Consultando 6.200 fontes, datadas de desde o século 16, os pesquisadores coletaram mais de 38 mil nomes populares de animais, que devem cobrir de 6.000 a 10 mil espécies. "Mas o número ainda é uma estimativa", diz Papavero. "Só vamos saber quantos vão entrar depois que tivermos terminado."
Trabalhando desde 1999, a dupla prevê concluir o dicionário em 2009, após pesquisas detalhadas de etimologia e de caracterização taxonômica (classificação biológica) para muitas espécies. Papavero, estima que, ao fim do trabalho de coleta, o número supere 42 mil verbetes de nomes populares, mas volte a diminuir um pouco depois. Isso acontece porque há sobreposições -transliterações diferentes para o mesmo nome ou nomes iguais aplicados a mais de uma espécie.
O trabalho de Papavero e Teixeira é o primeiro grande esforço de compilação desde a publicação do "Dicionário dos Animais do Brasil", de Rodolpho von Ihering, de 1940, nunca atualizado. Ele é hoje a principal referência disponível para nomes populares, mas possui "apenas" 6.000 verbetes -número extraordinário para a época em que foi feito.
O novo dicionário sairá em dois volumes. O primeiro deles terá o índice pela ordem de nomes populares -acompanhado de ilustrações sobre os grupos principais de animais-, e o segundo um índice taxonômico para buscas pelo caminho inverso. Uma pesquisa etimológica rigorosa deve acompanhar o trabalho, já que muitos nomes vêm do tupi e outras línguas indígenas. "Esse trabalho deverá ser feito por um tupinólogo", afirma Papavero.
Os pesquisadores dizem acreditar que a nova obra de referência será um auxílio aos dicionários comuns, nos quais nomes de animais estão entre os pontos fracos. "Nem o assum-preto, que aparece em uma canção do Luiz Gonzaga, tem verbete", diz Papavero.

Viagem no tempo
As fontes consultadas por Teixeira e Papavero vão desde trabalhos científicos e de literatura recentes até relatos de naturalistas e viajantes de séculos atrás. A diversidade cresce tanto com o tempo e com a distância que algumas espécies possuem dezenas de nomes. Existem, por exemplo, 37 denominações para a tainha (Mugil curema), peixe também conhecido como cambiru, olho-de-fogo, cacetão ou mondego. Há alguns animais com registros de nomes desde 1500, quando a expedição do espanhol Vicente Pinzón desembarcou na ilha de Marajó. O primeiro animal brasileiro então descrito foi uma mucura (gambá), que ganhou diversos outros nomes em outros tempos e lugares.
Uma das principais fontes é o trabalho de Johann Baptiste von Spix, naturalista alemão que visitou o Brasil no século 19 na expedição do botânico Carl Friedrich Philipp von Martius. Entre os trabalhos recentes que mais contribuíram para a pesquisa está o do grupo da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), que estuda o conhecimento zoológico de comunidades indígenas. O livro deve acompanhar um CD com ilustrações da maioria das obras consultadas que já caíram em domínio público.
Os esforços também geraram alguns subprodutos durante os últimos anos, como traduções de manuscritos inéditos do século 18. Antes de publicar o dicionário, os pesquisadores devem lançar um livro sobre a fauna de São Paulo e uma versão dos relatos do geógrafo holandês Joannes de Laet.
Papavero apresentaria seu trabalho amanhã, durante a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Florianópolis, mas não poderá comparecer por problemas logísticos.


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