São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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Marcelo Leite

Luz verde para a ciência


Martin Chalfie e Roger Tsien levaram um pouco de cor à audiência

Um ponto alto da 59ª Reunião de Prêmios Nobel em Lindau (sul da Alemanha), encerrada no último dia 3, foram as palestras dos ganhadores de Química no ano passado. Não tanto por Osamu Shimomura, e mais por Martin Chalfie e Roger Tsien, que levaram um pouco de cor -em sentido literal e figurado- à audiência de mais de 600 pessoas.
Havia na plateia 580 jovens pesquisadores, convidados para conviver com outros 20 Nobel por uma semana, e bem uns 30 jornalistas. A maioria ficou mesmerizada com Chalfie e Tsien, que transformaram a proteína fluorescente verde (GFP, na abreviação em inglês) numa ferramenta crucial da biotecnologia.
A GFP serve como um marcador que delata o uso de um determinado gene por células e tecidos. Um trecho de DNA com a informação necessária para produzir a GFP -originalmente obtida da água-viva Aequorea victoria- é emendado com o de outro gene, e ambos são incorporados à célula em estudo. Se forem aceitos e usados, a célula ou tecido fluorescerá em verde sob luz ultravioleta.
Chalfie se limitou a contar bem uma ótima história: como chegou ao Prêmio Nobel. Uma história cheia de acaso, comédia e drama.
O acaso foi ter no laboratório Ghia Euskirchen, esperta o bastante para recusar o microscópio de fluorescência que havia no laboratório de Chalfie -uma "tranqueira", nas palavras do Nobel. Ela fez o trabalho com o aparelho do grupo no qual trabalhara antes, e conseguiu assim produzir as primeiras bactérias fluorescentes.
A comédia ficou por conta da pesquisadora Tulle Hazelrigg. Chalfie pediu-lhe formalmente permissão para usar dados dela não publicados. Hazelrigg concordou, com três condições: que fizesse o café da manhã todo sábado, cozinhasse um jantar francês e se encarregasse de pôr o lixo para fora. As condições estão numa carta formal, que Chalfie mostrou ao lado da fotografia de sua mulher -a própria Hazelrigg.
O drama foi representado por Douglas Prasher, que isolou o gene da GFP e também teve seus 15 minutos de fama em outubro passado -mas não ganhou o Nobel. Por falta de incentivo e financiamento, Prasher abandonou o mundo da pesquisa. Quando saiu a notícia da premiação, era motorista de van numa concessionária de veículos.
Chalfie e Tsien também contaram para os ávidos estudantes e jovens pesquisadores da plateia casos nada edificantes sobre a revista "Science", um dos mais influentes periódicos científicos do mundo. Ambos os artigos sobre a GFP que lhes valeram o Nobel enfrentaram resistência de editores e revisores.
No caso de Chalfie, os editores implicaram com o título e com a cor verde, que não ficaria bem na capa. Queriam mudar ambos, mas Chalfie só aceitou a primeira proposta.
A capa ficou linda.
No caso de Tsien, um obstáculo mais sério: o artigo foi rejeitado, a princípio. Entre outras razões, porque um revisor anônimo alegara que a estrutura da variante mais útil de GFP projetada e decifrada pelo grupo nada revelaria sobre a função ecológica da proteína (coisa que ninguém estava procurando).
Circulou pela internet, na mesma época, o rumor de que a revista "Nature Biotechnology", uma concorrente, iria publicar a estrutura da GFP comum. Havia grande expectativa nos comentários. Tsien copiou-os e colou num e-mail para o editor da "Science". Seu artigo foi aceito.


MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
O jornalista viajou para a Alemanha a convite da 59ª Reunião de Prêmios Nobel em Lindau


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