São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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PERISCÓPIO

Tamanho do cérebro e fatores do ambiente

JOSÉ REIS
especial para a Folha

Na ordem dos mamíferos há grande variação no tamanho do cérebro. Quando se compara o volume desse órgão, observa-se a inexistência de uma relação linear. O que há, em geral, é uma relação comandada pelo expoente 0,75, isto é, a massa cerebral corresponde à do corpo elevada ao expoente 0,75.
É por isso possível prever, em face do tamanho de um mamífero, qual deverá ser o peso de seu cérebro. Acontece, todavia, que em certas espécies o cérebro é maior do que o previsto pela equação. Vários biólogos têm investigado os possíveis motivos desse excesso ponderal em relação ao previsto.
No começo desta década foi muito discutida e teve certa aceitação a hipótese de R. Martin, atualmente no Museu Antropológico de Zurique, que liga a taxa metabólica materna àquela equação. Era simples a razão principal dessa hipótese: a taxa metabólica, como o tamanho cerebral, também corresponde à potência 0,75 do peso corporal. Dessa noção se aproxima a proposta por M.A. Hoffman em 1983, segundo a qual o fator condicionante do tamanho cerebral é o tempo de gestação.
Ambas as hipóteses parecem todavia ruir diante dos resultados obtidos por M. Pagel e P. Harvey, da Universidade Oxford ("Evolution", 42, 948), que, de suas comparações sistemáticas dos pesos corporal e cerebral em várias espécies, concluíram que o determinante principal do tamanho cerebral é antes de tudo a estratégia de vida adotada pela espécie.
Se ela tem um longo período de vida e procria individualmente e com intervalos longos, produzirá descendência com cérebro grande. Se, ao contrário, a espécie tem vida breve e gera descendência numerosa, então sua prole apresentará cérebro menor.
No exame desta questão é preciso levar em conta que alguns mamíferos produzem prole indefesa (ou altricial), ao passo que os recém-nascidos de outros (precoces) só dependem da mãe para mamar, dela se libertando assim que nascidos para explorar o mundo. Embora não haja diferença geral de tamanho entre os adultos dos dois grupos, os altriciais têm cérebro bem menor que os precoces.
Pelo que se vê, há uma grande variação no tamanho cerebral dos neonatos, que a taxa metabólica materna por si só não explicaria. Mas as explicações de Martin e Hoffman receberiam apoio se as espécies que geram prole precoce também tivessem taxas metabólicas e período de gestação maiores em relação ao tamanho do corpo.
Para verificar esse ponto, Pagel e Harvey examinaram 116 espécies de mamíferos pertencentes a 13 ordens diferentes. Na comparação dos pesos cerebrais entre altriciais e precoces, tomaram como peso cerebral a soma dos cérebros de cada ninhada, em geral um nos precoces e vários nos altriciais. A conclusão a que chegaram foi a de que a massa cerebral da ninhada não aumenta proporcionalmente à taxa metabólica.
Segundo os dois pesquisadores, os mamíferos precoces produzem neonatos com tamanho cerebral grande, sem necessidade de maior mobilização energética relativa. As diferenças, que chegam a ser de duas a três vezes nos tamanhos cerebrais dos neonatos em espécies precoces e altriciais, podem explicar-se, dizem Pagel e Harvey, quase exclusivamente por diferenças em tempo de gestação e tamanho da prole, "independentemente da taxa metabólica e do tamanho materno".
Dos dados coletados por Pagel e Harvey verifica-se que 23 famílias tinham prole com cérebro maior do que o previsto pelo tamanho materno. Vinte dessas famílias tinham tempo de gestação maior que o previsto para seu tamanho e 18 tinham um só filhote de cada vez. Entendem eles que a formação de cérebros grandes é dispendiosa do ponto de vista reprodutivo, mas, como salienta R. Lewin ("Science", 242, 514), também importam consequências cruciais para a ecologia evolucionária da espécie.


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