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Micro/Macro
O Universo e a gota d'água
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Outro dia, uma leitora amiga minha
me perguntou por que esta coluna se
chamava "Micro/Macro". "Nomezinho estranho esse, não?" disse ela, sorrindo. Após
repreendê-la, afirmando (também sorrindo) que, se ela tivesse lido todos os textos,
saberia responder à própria pergunta, me
dei conta de que o nome merece mesmo
uma explicação.
Meu pai costumava dizer que existe um
universo em uma gota d'água. "O macro
cabe no micro" era uma de suas frases prediletas. Na época, não dava muita bola para o que ele dizia. Hoje, já penso diferente e
sei que não só o macro cabe no micro como o Universo é uma gota. Talvez uma gota em um infinito oceano de universos.
A partir dos anos 1970, duas áreas da física aparentemente muito diferentes começaram a se aproximar. Antes, uma relação
entre as duas parecia ser impossível. No
início a coisa foi meio tímida -algumas
idéias arrojadas aqui e ali testando uma
possível união. Hoje, uma não pode viver
sem a outra. As áreas são a cosmologia, que
estuda o Universo como um todo, sua origem e evolução, a área mais "macro" da
ciência, e a física das partículas elementares, que estuda as propriedades das menores entidades que existem, ou seja, a área
mais "micro" da ciência. Tudo o que sabemos sobre a natureza fica entre esses dois
extremos. O que não sabemos também.
De onde veio essa união? Em 1965, o modelo do Big Bang foi confirmado por meio
de observações realizadas por dois astrofísicos dos Laboratórios Bell que testavam
transmissões de microondas para comunicações via satélite. Eles descobriram um
ruído em sua antena que vinha de todas as
direções do céu. Aflitos, conversaram com
outros astrofísicos que explicaram que o
"ruído" era radiação eletromagnética que
vagava pelo Universo desde a sua infância.
Usando dados atuais, percebeu-se que esse
ruído foi produzido quando o Universo tinha em torno de 400 mil anos de idade.
Hoje, a idade do Universo é de cerca de
14 bilhões de anos. A conseqüência é imediata: se o Universo tem essa radiação toda
e ela agora é muito fria (-270C), no passado, quando o Universo era mais jovem, ela
era bem mais quente: quanto mais para
trás no tempo, mais quente. E, como está
em expansão desde seus primórdios, menor também.
E a matéria toda que existe? Quanto mais
quente o Universo, mais difícil é para a matéria se manter coesa. Como exemplo, voltemos à gota do meu pai. Muito frio, ela
congela. Muito quente, ela evapora. E se o
calor aumenta? As ligações entre o átomo
de oxigênio e os dois de hidrogênio se rompem e temos átomos livres. Mais calor, e os
elétrons não conseguem continuar unidos
aos prótons: os átomos se dissociam (ionizam) e não existe mais água. No Universo,
isso ocorreu aos 400 mil anos. Antes disso,
o calor era ainda maior. Com um segundo
de vida, o Universo era tão quente que os
prótons e nêutrons nos núcleos atômicos
se separaram. A um centésimo de milésimo de segundo, prótons e nêutrons não
existiam: eles se dissociam em quarks, as
partículas das quais são feitos. A gota de
meu pai virou uma sopa de quarks e elétrons, as partículas elementares da matéria.
O macro virou micro.
Ainda nem chegamos ao tempo zero e o
Universo virou uma sopa de partículas e
radiação e continua encolhendo. Quando
chegamos a uma fração ridiculamente pequena de um segundo (10-44 s, para os interessados), o Universo inteiro é do tamanho
de uma gota d'água. E a temperatura é tão
alta que nem sabemos que tipos de partícula existiam. Estamos no limite: macro e micro entrelaçados. E agora? Da física de partículas, uma inspiração: talvez nosso Universo seja mesmo uma gota, flutuando em
um metaoceano, o multiverso feito de todos os universos. Meu pai adoraria saber
disso. "Tá vendo filho? O próprio macrocosmo não passa de um microcosmo."
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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