São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2007

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Watson se desculpa por declaração racista

Co-descobridor da estrutura do DNA afirma, no entanto, que questionar bases genéticas da inteligência não é racismo

"Esta não é uma discussão sobre superioridade ou inferioridade, é sobre tentar entender diferenças", diz cientista em um artigo

Markus Schreiber/Associated Press
James Watson, 79, pai da biologia molecular, posa atrás de modelo da dupla hélice do DNA, desvendada por ele e Francis Crick

DA REDAÇÃO

O geneticista americano James Watson pediu desculpas ontem por declarações racistas dadas a um jornal britânico, que despertaram uma enxurrada de críticas no mundo inteiro.
Em entrevista nesta semana ao "Sunday Times", Watson, co-descobridor da estrutura do DNA, disse ser "inerentemente pessimista em relação ao futuro da África" porque "todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles é igual à nossa -quanto todos os testes dizem que não é bem assim". Não explicou que testes são esses.
Ontem, Watson escreveu um artigo para o jornal "The Independent" dizendo ter sido mal interpretado. "Àqueles que inferiram das minhas palavras que a África enquanto continente é de alguma forma geneticamente inferior, só posso me desculpar sem reservas."
No entanto, o cientista, de 79 anos, insistiu que questionar as bases genéticas da inteligência "não é ceder ao racismo".
Leia abaixo o artigo.

 

A ciência e a controvérsia andam de mãos dadas. A busca da descoberta, do conhecimento, é muitas vezes desconfortável e desconcertante. Eu nunca deixei de dizer aquilo que acredito ser a verdade, por mais difícil que isso seja. Às vezes isso me deixa em maus lençóis.
Raramente, no entanto, mais do que agora, quando me encontro no centro de uma enxurrada de críticas. Porque, se eu realmente disse o que me foi atribuído, então só posso admitir que estou atônito com a declaração. Àqueles que inferiram das minhas palavras que a África enquanto continente é de alguma forma geneticamente inferior, só posso me desculpar sem reservas. Não foi isso o que eu quis dizer. E o que é mais importante, do meu ponto de vista, é que não há base científica para tal crença.
Eu sempre defendi que nós devemos basear nossa visão do mundo no nosso conhecimento, nos fatos, e não naquilo que gostaríamos que fosse. É por isso que a genética é importante. Porque ela nos levará a respostas a várias das grandes e difíceis questões que têm atormentado as pessoas por centenas ou milhares de anos.
Mas essas respostas podem não ser simples, porque, como eu bem sei, a genética pode ser cruel. Meu próprio filho pode ser uma das suas vítimas. Aos 37 anos, Rufus não pode viver uma vida independente por causa da esquizofrenia. Quando ele passou para a adolescência, eu comecei a temer que a origem de sua vida diminuída estivesse nos genes. Foi essa percepção que me levou a ajudar a estabelecer o Projeto Genoma Humano.
Ao fazer isso, eu sabia que novos dilemas morais surgiriam para estabelecer os componentes éticos, legais e sociais do genoma. Desde 1978, quando uma jarra de água foi jogada no meu amigo de Harvard E. O. Wilson por dizer que os genes influenciam o comportamento humano, o ataque à genética do comportamento tem sido duro.
Mas a irracionalidade deve recuar logo. Em breve será possível ler mensagens genéticas individuais a custos que não quebrarão nossos sistemas de saúde. Ao fazermos isso, eu espero que vejamos se mudanças na seqüência de DNA e não influências ambientais resultam em diferenças de comportamento. Finalmente, nós poderemos estabelecer a importância relativa da natureza em oposição à criação.
Ao descobrir o tamanho da influência dos genes no comportamento moral, também poderemos entender como os genes influenciam a capacidade intelectual. Agora mesmo, no meu instituto nos EUA, estamos trabalhando em falhas genéticas no desenvolvimento do cérebro que levam ao autismo e à esquizofrenia. Poderemos também descobrir que diferenças nesses genes também levam a diferenças nas nossas habilidades para executar diversas tarefas mentais.
Em alguns casos, a forma como esses genes funcionam pode nos ajudar a entender variações no QI, ou por que alguns são excelentes poetas mas péssimos em matemática. Freqüentemente, pessoas com habilidade matemática alta têm traços autistas. Por isso, ao estudar o autismo e a esquizofrenia, acreditamos que chegaremos perto de uma melhor compreensão da inteligência e das diferenças na inteligência.
Ainda não entendemos direito a maneira pela qual os diferentes ambientes do mundo teriam selecionado os genes que determinam a nossa capacidade de fazer diferentes coisas. O desejo esmagador da sociedade hoje é assumir que poderes iguais de raciocínio são uma herança universal da humanidade. Mas simplesmente desejar que seja esse o caso não basta. Isso não é ciência.
Questionar isso não é ceder ao racismo. Esta não é uma discussão sobre superioridade ou inferioridade, é sobre tentar entender diferenças, sobre por que alguns de nós são grandes músicos e outros, grandes engenheiros. É muito provável que 10 ou 15 anos se passem até que tenhamos um entendimento adequado da importância relativa da natureza e da criação na conquista de objetivos humanos importantes.
Até lá, nós, enquanto cientistas, devemos tomar cuidado ao dizer verdades inquestionáveis sem o apoio de evidências.


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