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Cometa só voltará daqui a 100 mil anos
Descobridor do astro mais brilhante do gênero dos últimos 42 anos diz que visibilidade será melhor na próxima semana
Robert McNaught, escocês
radicado na Austrália,
trabalha em projeto que
monitora asteróides em
risco de colisão com a Terra
Simon Baker/Reuters
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Cometa McNaught é flagrado no céu de Christchurch, Nova Zelândia, anteontem; visibilidade é melhor em cidades mais ao sul |
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O descobridor do cometa que
corta o céu do hemisfério Sul
neste mês é um astrônomo autodidata que não se considera
cientista. "Sou um observador",
diz Robert McNaught, um escocês emigrado para a Austrália, que guardou na gaveta seu
diploma de psicólogo para trabalhar com astronomia.
Desde que começou sua carreira tardia, o homem que dá
nome ao cometa mais brilhante
dos últimos 42 anos já descobriu outros 31, a maioria deles
no Observatório Siding Spring,
perto de Sydney. Em entrevista
à Folha, McNaught falou um
pouco sobre seu trabalho.
FOLHA - Seu site diz que a descoberta do cometa foi fruto de trabalho de rotina. Como é seu dia-a-dia?
McNAUGHT - Temos três observadores aqui, contando comigo.
Fazemos um rodízio. Toda noite com tempo aberto -exceto
quando há lua cheia- operamos o telescópio sistematicamente, varrendo o céu do Sul.
FOLHA - O que é o seu projeto?
McNAUGHT - Procuramos asteróides e cometas que apresentem risco de colisão com a Terra, especialmente os grandes -
maiores de um quilômetro. Temos verba para isso até 2008.
FOLHA - Quantos cometas vocês já
descobriram?
McNAUGHT - Até agora foram
29, aqui no Siding Spring. O
McNaught foi o último. Eu já
batizei 32 cometas, na verdade,
mas nenhum deles chega aos
pés deste em brilho.
FOLHA - Vocês já calcularam a massa e o período do cometa?
McNAUGHT - Aqui não analisamos estrutura física ou tamanho de cometas, mas já sabemos que a órbita dele é muito
alongada. Ele veio para o Sistema Solar interno [planetas de
Mercúrio a Marte] quase como
numa parábola [curva aberta].
Ele provavelmente veio da Nuvem de Oort, de uma longa distância no Sistema Solar, e só vai
voltar à Terra depois de cerca
de 100 mil anos.
FOLHA - Porque o brilho do cometa
surpreendeu tanto os astrônomos?
McNAUGHT - Como não tivemos
uma visão próxima do cometa,
não sabíamos na realidade como era sua superfície. Não sabíamos se ela era de gelo com
poeira ou se era coberta de um
manto só de poeira, que impede
a radiação do Sol de chegar ao
gelo. Também não sabemos se
a superfície tem falhas ou se é
lisa. Isso tem grande influência
no grau de brilho do cometa.
Só podíamos estimar o brilho
por antecipação comparando-o
com outros cometas do passado, mas muitos cometas com
órbitas similares não tiveram
aumento de brilho tão rápido
ao se aproximarem do Sol.
Mas não existe um comportamento típico de cometas. Cada um é um pouco diferente do
outro. O McNaught parece estar no extremo de brilho em
uma ampla gama de comportamentos [aspectos] dos cometas. Outros cometas, como o
Austin [de 1990], tiveram um
aumento de brilho rápido no
início, mas não o mantiveram.
FOLHA - Qual é a perspectiva de
brilho para os próximos dias?
McNAUGHT - O brilho certamente já está diminuindo, mas
o cometa está se movendo para
um céu mais escuro, por isso
está mais visível agora do que
quando atingiu o ponto mais
brilhante. Para quem estiver
longe das luzes das cidades, o
cometa deve ser visto com facilidade na próxima semana e,
talvez, durante mais algumas.
O céu mais escuro, além disso, permite ver a enorme cauda
do cometa. Apesar disso, a Lua
está começando a se aproximar
daquela região do céu, e dentro
de uma semana ela pode atrapalhar a visibilidade do cometa.
Então, na verdade, a semana
que vem deve ser mesmo a melhor para ver o cometa.
FOLHA - A latitude influencia a
qualidade da vista?
McNAUGHT - Sim. No geral
quanto mais ao Sul, melhor.
Aqui no Siding Spring estamos
a 30 Sul e o cometa está bem
posicionado. Quem estiver a
até uns 20 Sul [latitude de Belo Horizonte] ainda pode ter
uma boa vista do cometa, mas o
melhor deverá ser em uns 40
Sul [latitude de Bariloche].
FOLHA - O cometa pode se desintegrar com a radiação do Sol?
McNAUGHT - Há sempre uma
possibilidade de isso acontecer,
e acontece com freqüência com
cometas que passam muito
perto do Sol. Este cometa não
passou tão perto, mas outros
que estavam à mesma distância
já chegaram a soltar alguns
fragmentos. Até agora não temos evidência de que isso tenha ocorrido, apesar de ainda
poder acontecer.
FOLHA - Quão brilhante é esse cometa, em relação a outros que apareceram nos últimos cem anos?
McNAUGHT - Existe um grupo
de astrônomos amadores que
se dedica a compilar dados sobre isso. Segundo eles, o
McNaught é o segundo cometa
mais brilhante desde 1935. Ele
perde para o cometa Ikeya-Seki
[em 1965], que foi muito mais
brilhante do que este.
FOLHA - Independentemente de
sua beleza, o cometa gerou algum
interesse científico em especial?
McNAUGHT - Certamente haverá estudos especiais feitos sobre o cometa. O fato de ele ser
tão brilhante significa que é
possível estudar sua luz em
mais detalhe. [A separação da
luz pode revelar a composição
do cometa], mas ainda não tive
tempo de procurar saber o que
está sendo feito.
FOLHA - Fale um pouco sobre sua
carreira. Como o sr. virou um caçador de cometas?
McNAUGHT - Eu me interesso
por astronomia desde muito jovem e me tornei um astrônomo
amador. Sempre fui ávido por
isso, sair por aí para fazer observações com meu próprio telescópio. Então eu tive oportunidades que me levaram nesta
direção. Mas não não sou pesquisador, sou um observador.
FOLHA - Em que o sr. se formou?
McNAUGHT - Em psicologia,
mas nunca trabalhei com isso.
Assim que me formei, há uns
20 anos, consegui um emprego
em astronomia. Sempre foi minha paixão.
FOLHA - Por que o sr. não se matriculou em física, ou algum curso ligado à astronomia?
McNAUGHT - Eu fiz isso, mas eu
larguei o curso porque minhas
notas estavam péssimas. Eu fui
para psicologia porque gostava
do assunto, mas nunca trabalhei na área.
FOLHA - O sr. acha que a passagem
de um cometa como este pode tornar os jovens de hoje interessados
em astronomia?
McNAUGHT - Eu já tinha interesse em astronomia antes de ver
o cometa Bennet em 1969, mas
foi a partir dali que eu fiquei
deslumbrado. Aquele cometa
era espetacular e certamente
aumentou meu interesse em
astronomia.
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