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São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

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MEDICINA

Universidades identificam fragmento de proteína em cérebro de ratos que parece controlar dilatação de artérias

Nova molécula pode atacar hipertensão

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Uma nova geração de remédios contra a hipertensão pode surgir de uma fonte no mínimo insuspeita: o cérebro de ratos. É lá que pesquisadores paulistas acharam a hemopressina, uma molécula que tem potencial para gerar anti-hipertensivos até cem vezes mais potentes que os usados hoje.
Embora os testes em animais ainda sejam preliminares, o achado poderia, no futuro, desbancar a bradicinina -molécula descoberta no veneno da jararaca que, hoje, é usada nos principais remédios contra a hipertensão.
Claro que a nova molécula é um alvo e tanto, mas o lado mais interessante da nova pesquisa pode nem ser tê-la encontrado. "A nossa grande descoberta foi um novo método para descobrir peptídeos [fragmentos de proteína] biologicamente ativos", diz Emer Ferro, 38, do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP.
Ou seja, a mesma tática usada para encontrar o possível anti-hipertensivo pode revelar outras moléculas com potencial terapêutico, não só do tecido cerebral, mas de quaisquer células do organismo. O trabalho da Ferro e seus colaboradores foi anunciado este mês na revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que financia o projeto.
Conforme explica Fábio Gozzo, 30, pesquisador do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e co-autor do estudo, o cérebro é o lugar ideal para procurar novos peptídeos, porque muitos neurotransmissores (os mensageiros químicos desse órgão) pertencem a essa classe de substâncias.
"Nós precisávamos de um órgão rico em peptídeos para testar o método", afirma Gozzo. E a estratégia, compara Ferro, consiste em transformar tesouras químicas em ímãs moleculares.
As vítimas da metamorfose foram as enzimas, moléculas que ajudam a quebrar outras moléculas em pedaços menores. A equipe modificou algumas enzimas que atuam sobre peptídeos, de forma que elas não fossem mais capazes de cortá-los, mas ainda conseguissem grudar neles.
Os ímãs moleculares se saíram melhor que a encomenda: das 15 substâncias pescadas com eles, 13 eram desconhecidas -entre elas, a hemopressina. Uma das enzimas na qual ela grudou está ligada ao controle da pressão arterial em organismos humanos.
Injetando o novo peptídeo no sangue de ratos, os pesquisadores viram que ele reduzia a pressão arterial, talvez por relaxar os vasos sanguíneos, o que permite que o sangue flua com menor pressão.
A ação foi especialmente potente em ratos anestesiados: quase cem vezes mais forte que a da bradicinina. "Achamos que isso acontece porque, com a anestesia, a parte do sistema nervoso que controla a abertura das artérias está bloqueada", diz Ferro.
Embora alerte que um novo remédio com a hemopressina esteja distante, Ferro diz que é possível melhorar o desempenho da molécula ou associá-la com outros compostos. A pesquisa, que é parte do doutorado da bióloga Vanessa Rioli, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), foi publicada pela revista científica "The Journal of Biological Chemistry" (www.jbc.org).
(REINALDO JOSÉ LOPES)


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