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O nascimento de uma polêmica partícula invisível
Idéia foi proposta como solução para mistério da física em 1930 pelo austríaco Wolfgang Pauli
CÁSSIO LEITE VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Caros Senhoras e Senhores
Radioativos." Começava assim a carta, de 4 de dezembro de 1930, do físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) à
sua colega e compatriota Lisa Meitner (1878-1968). Aquela página deveria ser lida para os participantes de
um encontro científico em Tübingen (Alemanha). Pauli se desculpava
pela ausência -teria de ir a um baile
em Zurique (Suíça)- e aproveitava
para propor uma hipótese e, com isso, solucionar um mistério que molestava a física da época.
A hipótese proposta: a existência
de uma nova partícula, além das três
conhecidas na época, ou seja, o elétron (carga elétrica negativa), o próton (positivo e habitante do núcleo
atômico) e o fóton (partícula de luz).
O mistério resolvido: o decaimento
beta, um tipo de radioatividade emitida por certos núcleos atômicos.
Desde 1914, já se notava algo estranho com esse fenômeno, no qual
-como se observava na época-
um elétron era "cuspido" do núcleo.
Porém, as contas do balanço energético não fechavam. Ao somar a energia do elétron expelido com a do novo núcleo produzido pelo decaimento, faltava ainda um "naco"
-quase imperceptível, é verdade-
de energia.
Isso intrigava os especialistas. O físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), num ato de desespero, chegou
a defender que a conservação de
energia -um tipo de Santo Graal da
física- não valeria para o decaimento beta. Só se redimiu dessa heresia em 1936.
Acreditou-se, inicialmente, que,
em conjunto com o elétron, um raio
gama era emitido. Porém, dois experimentos, em 1927 e 1930 -o segundo deles feito pela própria Meitner-, não comprovaram a suspeita. E a crise se avolumou.
Na carta, Pauli perfilou a nova partícula. Ela seria neutra (sem carga
elétrica), praticamente sem massa e
expelida juntamente com o elétron,
carregando com ela o filão de energia faltante. Dois anos depois, o nêutron (companheiro do próton no
núcleo e também sem carga) foi descoberto. Porém, foi logo destronado
do posto de candidato à partícula de
Pauli, pois sua massa era "enorme",
praticamente igual à do próton.
Batismo
O físico italiano Enrico Fermi
(1901-1954) decidiu, então, batizar a
partícula de Pauli como neutrino
(em italiano, pequeno nêutron). E
usou-a para elaborar uma teoria elegante -válida até hoje- para explicar o decaimento beta. O fenômeno, assim, passou a ser o seguinte:
um nêutron decai (se transforma)
em um próton, sendo emitidos do
núcleo um elétron e um neutrino
-na verdade, um antineutrino,
uma antipartícula. De quebra, a nova teoria extirpou pela raiz a crença
de que os elétrons -e para alguns
também os neutrinos- viviam no
núcleo atômico.
Um fato curioso, porém pouco divulgado. Apesar da total falta de evidência sobre a realidade dos neutrinos, os físicos teóricos se sentiram
muito confortáveis com a nova partícula. "Foi um caso único na história das partículas elementares", resumiu Abraham Pais, em sua monumental obra "Inward Bound" (Oxford University Press, 1988).
Ainda em 1934, cálculos mostraram que seria praticamente impossível detectar o neutrino. Para fazê-lo interagir com a matéria, seria necessária uma quantidade de água
equivalente a dezenas de milhões de
vezes a distância Terra-Sol. Porém, a
engenhosidade humana driblou o
problema, e, em 1955, um experimento nos Estados Unidos detectou
indiretamente o primeiro dos três tipos de neutrino conhecidos hoje. A
partícula fantasma se revelava a uma
comunidade de físicos assombrada
pela descoberta. Pauli estava certo.
Em 2002, nova surpresa: um experimento no Canadá mostrou que os
neutrinos têm massa. E isso tem implicações profundas para entender a
constituição e o próprio destino do
Universo. Hoje, a pesquisa em neutrinos é uma das mais instigantes da
física, e vários experimentos tentam
desvendar propriedades da partícula que nasceu em uma carta bem humorada. Dois problemas atuais: saber o valor exato da massa e, mais
intrigante, descobrir se o neutrino e
o antineutrino são ou não a mesma
partícula.
Se as dezenas de partículas elementares conhecidas hoje (elétrons,
quarks, fótons etc.) formassem um
tipo de liga de super-heróis, o neutrino seria certamente eleito pelos
fãs o mais "cool" deles (bacana, em
inglês). Ele pode atravessar incólume trilhões de quilômetros de
chumbo, por exemplo. Neste exato
momento, o leitor e seu exemplar do
"Mais!" estão sendo perfurados por
trilhões de neutrinos. Isso também
ocorre à noite, quando eles, vindos
do Sol, onde são produzidos, atravessam a Terra sem se chocar com
nada. Sem contar que um ser humano gera outros 20 milhões de neutrinos por hora devido à presença de
elementos radioativos no organismo. Sem dúvida, "cool".
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