São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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NEUROCIÊNCIA

Grupo nos EUA repete com pessoas parte de experimento em que cérebro de macaco moveu braço robótico

Ciborgue humano é viável, indica estudo

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Os ciborgues estão chegando -devagar, mas com passos firmes. O último, e mais importante, será dado na terça-feira, com a publicação de um estudo demonstrando a viabilidade, em humanos e não mais em macacos, das interfaces cérebro-máquina. E um dos autores é brasileiro.
Miguel Nicolelis, 43, neurocientista paulistano e palmeirense formado na USP, ganhou notoriedade mundial ao permitir que sinais de cérebros de macacos movessem um braço robótico. Desta vez, ele se juntou ao neurocirurgião Dennis Turner, também da Duke, para repetir uma versão reduzida do experimento com seres humanos, pesquisa que consumiu 18 meses.
Nicolelis precisava provar que os microeletrodos usados nos símios funcionariam também com pessoas, coletando diretamente dos neurônios comandos com informação suficiente para governar robôs, como um braço mecânico ou uma cadeira de rodas computadorizados.
A prova de princípio, como dizem os cientistas, foi obtida durante 11 cirurgias para tratar o mal de Parkinson, realizadas em 2003. Em cada uma delas o paciente receberia um estimulador cerebral profundo, uma espécie de marca-passo que ajuda a eliminar os tremores que arruínam a vida dos parkinsonianos graves. A equipe teve consentimento dos pacientes e autorização de comitês de ética para usar não mais do que cinco minutos da cirurgia no teste.
Acordados e com uma cânula introduzida até a região cerebral do tálamo por um orifício no topo do crânio, os operados foram submetidos a um videogame primitivo: apertando uma pêra de borracha (sensor de pressão), tinham de cobrir um alvo verde com uma barra preta no vídeo. Cada um realizou cerca de 50 "partidas", até se cansar.

Análise posterior
Enquanto jogavam, eram gravados os impulsos emitidos por um grupo de neurônios envolvidos na tarefa motora. Isso foi feito por intermédio de 32 microfios introduzidos através da cânula no tecido subcortical (abaixo do córtex cerebral, que é a região mais nobre do órgão). Os dados foram armazenados num computador e depois analisados.
Essa análise revelou que, a exemplo do que ocorrera com macacos em experimentos anteriores, os sinais coletados de uma pequena amostragem da legião de neurônios envolvidos contêm informação suficiente para predizer o comportamento motor. Isso quer dizer que as ordens emitidas pelas células cerebrais seriam suficientes para acionar um braço mecânico, mesmo que a pessoa tivesse perdido o próprio braço ou a capacidade de movê-lo.
"Apesar das limitações dos experimentos, ficamos surpresos ao descobrir que nosso modelo analítico pode predizer muito bem os movimentos dos pacientes", diz Nicolelis. "Tivemos cinco minutos com cada paciente, dos quais foram necessários um minuto ou dois para treiná-los na tarefa. Isso sugere que, na medida em que estudos clínicos progredirem e com o uso de feixes de eletrodos implantados por um longo período de tempo, poderemos obter um sistema de controle funcional para dispositivos externos."
O neurocientista prevê que serão necessários uns cinco anos para chegar a algo como uma cadeira de rodas motorizada comandada por neurônios de tetraplégicos. Antes disso, ele pretende obter licença para fazer implantes similares em pacientes imobilizados, mas que fiquem instalados dentro do cérebro por um mês, por exemplo, e acoplar o sistema a algum dispositivo robótico.
Se funcionar tão bem quanto funcionou com macacos, Nicolelis diz que a questão passa a ser exclusivamente de engenharia: construir dispositivos que possam ser implantados definitivamente e provar que não trarão danos aos futuros ciborgues (neologismo criado a partir da expressão "organismo cibernético").
Também figura entre os projetos do grupo da Duke aperfeiçoar os sistemas com um "feedback" mais refinado que o meramente visual. A idéia é posicionar eletrodos em outras regiões do cérebro do paciente, para devolver-lhe informações provenientes da prótese robótica -tato, por exemplo.
"O tato é fundamental para dar "feedback". Não se pode julgar peso só com o visual", diz Nicolelis.
Ainda vai demorar para ver Robocops nas ruas, mas o tempo dos ciborgues já está chegando.


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