São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2008

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Experimento dá pista sobre o sumiço da antimatéria

Físicos querem saber por que matéria de carga elétrica invertida quase não existe

Cientistas trabalhando em acelerador de partículas no Japão observam fenômeno que ainda não é explicado por teorias atuais da física

DA REPORTAGEM LOCAL

Muitas histórias de ficção científica já emprestaram da física o conceito de antimatéria -a matéria com cargas elétricas invertidas. Em filmes e romances ela costuma ser usada na construção de armas e foguetes poderosos, mas no mundo real ela fascina cientistas por outro motivo: ela quase não existe. Há muitas décadas físicos tentam descobrir o porquê disso, e um experimento no Japão parece dar uma pista agora.
Segundo as teorias mais aceitas da cosmologia, há 13,7 bilhões de anos, a explosão que originou o Universo -o Big Bang- teria formado quantidades iguais de matéria e antimatéria. Ao longo do tempo, parte de tudo se perdeu, porque quando matéria e antimatéria se encontram ambas se aniquilam (veja quadro à direita).
O problema é que, daquilo que restou, praticamente tudo o que há -de grãos de areia a galáxias, incluindo pessoas- é feito de matéria ordinária. A teoria não impede que existam "antipessoas" (feitas de antimatéria), mas cientistas nunca viram nenhum "antiobjeto", nem mesmo em outros cantos do cosmo. Outra coisa que se poderia esperar é que toda matéria e antimatéria existente tivessem se aniquilado, mas aí não existiria praticamente nada no Universo, só energia.
A partir daí, físicos começaram a investigar se, por alguma razão desconhecida, a antimatéria "decai" (se transforma em outras partículas mais leves) mais rápido que a matéria. O modelo padrão, a teoria que explica quase tudo na física de partículas, na verdade até possui uma brecha pela qual é possível explicar esse desequilíbrio. O problema é que ele seria pequeno demais para explicar tamanha preponderância da matéria sobre a antimatéria.
Aí é que entra em cena o acelerador de partículas KEK, em Tsukuba, no Japão. Cientistas de um grupo batizado Colaboração Belle construíram no local um detector para investigar o fenômeno do decaimento. Em artigo na edição de hoje da revista "Nature", o grupo relata que observou anomalias no comportamento de partículas criadas no acelerador chamadas mésons B, -compostas de quarks, partículas mais fundamentais da matéria.

Fora do padrão
A Colaboração Belle ainda não conseguiu observar uma diferença direta na taxa em que quarks e antiquarks decaem, mas dependendo do tipo de méson B em que eles se agrupam, o desequilíbrio é grande. Em mésons B eletricamente carregados (positivos ou negativos) o decaimento delas é 7% mais rápido. Nos mésons neutros ele é 10% mais lento.
"Esse grande desvio (...) pode ser indício de novas fontes para a violação da paridade de cargas [o desequilíbrio entre matéria e antimatéria], o que ajudaria a explicar o domínio da matéria", escrevem os cientistas.
Posto em números, pode parecer algo um tanto trivial, mas a graça aí é que essa diferença não estava prevista pelo modelo padrão. Para o físico Michael Peskin, da Universidade de Stanford (EUA), é possível que "esta seja a primeira pista de um mecanismo inteiramente novo para a assimetria partícula-antipartícula". "Os resultados não são conclusivos, mas são perturbadores", afirma.
Um pouco de perturbação, nesse caso, não significa que o modelo padrão -um sistema teórico exaustivamente testado e retestado- esteja "errado", mas talvez ele seja mesmo insuficiente para explicar esse desequilíbrio inesperado.
É possível que os físicos teóricos comecem já a refazer suas contas após essa surpresa experimental. Mas outras surpresas poderão surgir em breve sobre o mistério do sumiço da antimatéria. Até o fim do ano deve ser inaugurado em Genebra (Suíça) o LHC, o acelerador de partículas mais poderoso já construído. Um dos quatro grandes detectores da instalação foi projetado para investigar exatamente esse fenômeno.


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