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Experimento dá pista sobre o sumiço da antimatéria
Físicos querem saber por que matéria de carga elétrica invertida quase não existe
Cientistas trabalhando em acelerador de partículas no Japão observam fenômeno que ainda não é explicado por teorias atuais da física
DA REPORTAGEM LOCAL
Muitas histórias de ficção
científica já emprestaram da física o conceito de antimatéria
-a matéria com cargas elétricas invertidas. Em filmes e romances ela costuma ser usada
na construção de armas e foguetes poderosos, mas no mundo real ela fascina cientistas
por outro motivo: ela quase não
existe. Há muitas décadas físicos tentam descobrir o porquê
disso, e um experimento no Japão parece dar uma pista agora.
Segundo as teorias mais aceitas da cosmologia, há 13,7 bilhões de anos, a explosão que
originou o Universo -o Big
Bang- teria formado quantidades iguais de matéria e antimatéria. Ao longo do tempo,
parte de tudo se perdeu, porque
quando matéria e antimatéria
se encontram ambas se aniquilam (veja quadro à direita).
O problema é que, daquilo
que restou, praticamente tudo
o que há -de grãos de areia a
galáxias, incluindo pessoas- é
feito de matéria ordinária. A
teoria não impede que existam
"antipessoas" (feitas de antimatéria), mas cientistas nunca
viram nenhum "antiobjeto",
nem mesmo em outros cantos
do cosmo. Outra coisa que se
poderia esperar é que toda matéria e antimatéria existente tivessem se aniquilado, mas aí
não existiria praticamente nada no Universo, só energia.
A partir daí, físicos começaram a investigar se, por alguma
razão desconhecida, a antimatéria "decai" (se transforma em
outras partículas mais leves)
mais rápido que a matéria. O
modelo padrão, a teoria que explica quase tudo na física de
partículas, na verdade até possui uma brecha pela qual é possível explicar esse desequilíbrio. O problema é que ele seria
pequeno demais para explicar
tamanha preponderância da
matéria sobre a antimatéria.
Aí é que entra em cena o acelerador de partículas KEK, em
Tsukuba, no Japão. Cientistas
de um grupo batizado Colaboração Belle construíram no local um detector para investigar
o fenômeno do decaimento.
Em artigo na edição de hoje da
revista "Nature", o grupo relata
que observou anomalias no
comportamento de partículas
criadas no acelerador chamadas mésons B, -compostas de
quarks, partículas mais fundamentais da matéria.
Fora do padrão
A Colaboração Belle ainda
não conseguiu observar uma
diferença direta na taxa em que
quarks e antiquarks decaem,
mas dependendo do tipo de
méson B em que eles se agrupam, o desequilíbrio é grande.
Em mésons B eletricamente
carregados (positivos ou negativos) o decaimento delas é 7%
mais rápido. Nos mésons neutros ele é 10% mais lento.
"Esse grande desvio (...) pode
ser indício de novas fontes para
a violação da paridade de cargas
[o desequilíbrio entre matéria e
antimatéria], o que ajudaria a
explicar o domínio da matéria",
escrevem os cientistas.
Posto em números, pode parecer algo um tanto trivial, mas
a graça aí é que essa diferença
não estava prevista pelo modelo padrão. Para o físico Michael
Peskin, da Universidade de
Stanford (EUA), é possível que
"esta seja a primeira pista de
um mecanismo inteiramente
novo para a assimetria partícula-antipartícula". "Os resultados não são conclusivos, mas
são perturbadores", afirma.
Um pouco de perturbação,
nesse caso, não significa que o
modelo padrão -um sistema
teórico exaustivamente testado e retestado- esteja "errado", mas talvez ele seja mesmo
insuficiente para explicar esse
desequilíbrio inesperado.
É possível que os físicos teóricos comecem já a refazer suas
contas após essa surpresa experimental. Mas outras surpresas
poderão surgir em breve sobre
o mistério do sumiço da antimatéria. Até o fim do ano deve
ser inaugurado em Genebra
(Suíça) o LHC, o acelerador de
partículas mais poderoso já
construído. Um dos quatro
grandes detectores da instalação foi projetado para investigar exatamente esse fenômeno.
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