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Sociedade de sapos cegos vive isolada
Em Fernando de Noronha, sem predadores, ao menos metade dos animais tem malformações como a cegueira
Padre levou os animais para lá há 100 anos; contaminação na ilha e causas genéticas são possíveis explicações
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Os sapos de Fernando de
Noronha vivem em uma sociedade que parece ter sido
criada por José Saramago. A
cegueira e outras deficiências são frequentes entre os
animais da ilha. E eles vivem
bem assim, obrigado.
Os cientistas sabem como
os bichos conseguem sobreviver. No continente, um sapo cego seria comido por
uma serpente antes que pudesse refletir sobre a sua condição. Mas em Noronha os
animais não têm predadores.
O que se quer saber agora é
como pelo menos metade
dos sapos da ilha tiveram
malformações. Os cientistas
estão levantando hipóteses.
Uma possibilidade, por
enquanto derrubada, dizia
que parasitas poderiam ter se
espalhado entre os sapos.
Mas os cientistas reviraram
os bichos sem achar sinal de
que essa fosse a causa.
Uma outra possibilidade é
a contaminação ambiental,
que tem grande potencial para criar deformações. Noronha, porém, é uma ilha limpa, e todo o lixo é enviado para o continente.
A melhor hipótese que resta está ligada à genética. Cruzamentos entre sapos aparentados entre si teriam contribuído para que mutações
"ruins" se espalhassem.
Faz sentido, porque a espécie apareceu em Noronha
há cerca de um século. Um
padre levou uns poucos sapos do continente para a ilha.
Segundo os relatos que antigos moradores de Fernando
de Noronha contavam, os insetos não deixavam a horta
do sacerdote em paz.
A ideia era controlar os insetos. As alfaces do padre foram salvas, e os sapos acabaram se multiplicando.
Os cientistas ainda relutam em cravar que a causa é
genética porque isso, apesar
de comum em humanos e outros animais, seria inédito
entre sapos, diz Felipe Toledo, biólogo da Unicamp.
Ainda assim, uma taxa de
malformações de 50% justifica tal hipótese. "Em uma população normal, a taxa é de
2%. E em Noronha ela pode
ser ainda maior, porque isso
foi o que vimos sem nem
abrir o bicho", conta.
"Tem bicho caolho, tem
com pálpebra colada, sem
mão, dedo a mais, de tudo."
"É extremamente intrigante", diz Duncan Irschick, biólogo da Universidade de
Massachusetts que comentou a descoberta a pedido da
Folha.
"A inexistência de predadores talvez tenha feito com
que faltasse a pressão que remove os mais doentes e fracos, uma ideia instigante",
diz. Isso teria feito com que
os genes "defeituosos" não
tivessem sido eliminados.
Irschick ressalta, porém,
que vários estudos ainda são
necessários para dizer com
certeza que a causa não é
contaminação ambiental.
SENSITIVOS
Por isso, uma equipe grande foi montada para explicar
como vivem os sapos de Noronha. Um dos cientistas,
Carlos Jared, especialista em
anfíbios do Instituto Butantan, vai estudar as glândulas
de veneno dos bichos.
Ricardo Ribeiro, mestrando da Unesp, está estudando
a dieta dos animais. Luciano
dos Anjos, também da
Unesp, e Vera Solferin, da
Unicamp, como os eles se relacionam com parasitas e o
seu DNA, respectivamente.
Há ainda outros cientistas.
Para que trabalhem, vários exemplares de sapos de
Noronha foram trazidos. Animais saudáveis do continente também foram capturados, para comparações.
"Os sapos cegos são muito
mais perceptivos", diz Jared.
"Se você coloca uma barata
perto de um sapo normal, ele
é meio lerdão. Mas os cegos a
percebem rápido. Devem ter
outros sentidos mais aguçados, talvez percebam bem
cheiro ou vibração."
Na ilha, os sapos estão comendo milhões de insetos
por ano, diz Toledo. Mas ninguém sabe o quanto isso é
preocupante. "A fauna de insetos de lá é desconhecida.
Ninguém trabalha com isso."
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