São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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Manifesto defende maconha medicinal

Grupo interdisciplinar de pesquisadores contesta visão de que a droga só traz riscos à saúde e pedem revisão de status

Texto sobre benefícios do uso clínico da Cannabis sai mês que vem, como réplica a suposto consenso sobre os males que ela causaria


Associated Press - 01.set.03
Frasco com maconha para uso medicinal, vendido na Holanda


RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

Um grupo interdisciplinar de pesquisadores está preparando um manifesto para confrontar um documento da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) sobre a maconha. Representantes das áreas de ciências biológicas e humanas, liderados pelo psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirmam que a entidade tenta "demonizar" o uso da droga, ignora estudos relevantes sobre sua ação no cérebro e omite evidências legítimas da eficácia do uso medicinal da Cannabis.
O documento de protesto deve ser lançado em um evento na Faculdade de Saúde Pública da USP no dia 10 de agosto e carregará as assinaturas de Xavier, do farmacologista Elisaldo Carlini, da psicóloga Lídia Aratangy, do jurista Miguel Reale Júnior, do sociólogo Rubens Adorno e do antropólogo Edward McRae. "Em princípio, só os autores vão assinar o documento, mas alguns pesquisadores estão procurando uma forma de manifestar apoio também", diz Xavier.
Segundo Carlini -defensor do uso medicinal, mas contrário ao uso recreativo-, a ABP parece adotar uma "pedagogia do terror" ao não se esforçar para divulgar publicamente as propriedades positivas da droga. "Não há empecilho de ordem científica para que não seja liberado o produto para uso médico com controle, assim como qualquer droga que tenha efeito sobre o sistema nervoso central", diz Carlini. "Todas as restrições que existem são mais de cunho ideológico."
Segundo o presidente da ABP, João Alberto Carvalho, o documento elaborado pela entidade, intitulado "Revisão Científica: Maconha e Saúde Mental", tinha como finalidade expor apenas os efeitos nocivos da droga, e não houve intenção de omitir informações. "Temos espaço para abrigar visões diferentes, e nosso congresso deste ano terá eventos sobre propriedades terapêuticas", diz.
O texto do documento disponível no site da ABP (www.abp brasil.org.br), porém, afirma ter adotado uma visão "equilibrada" e diz ter como foco "os efeitos da maconha no cérebro", genericamente.
Para Carlini, o problema do documento da ABP foi dar ao restante da comunidade médica a impressão de que a visão no texto era consensual. "Mas não há consenso nessa área, os grupos estão polarizados."

Ministério omisso
O pesquisador também criticou a atuação do Ministério da Saúde. Segundo ele, nenhuma das gestões mais recentes na pasta mostrou disposição para reativar o debate público sobre o tema -coisa que ele atribui também ao preconceito. O ministério, porém, diz que tem interesse em rever a situação no país.
Carlini revelou o conteúdo do manifesto ontem, em palestra na reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), na qual apresentou argumentos para defender a legalização do uso médico da maconha e de seu princípio ativo, o THC. Estudos apontam que o uso da molécula é adequado contra dores de origem neurológica e anorexia induzida por doenças como câncer e Aids. Segundo ele, substâncias menos benéficas e com efeitos colaterais mais graves do que os do THC já são drogas legalizadas sob prescrição. "A morfina, por exemplo, pode causar dependência e prisão de ventre acentuada", afirma ele.


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