São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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Animal gigante fez fruta sul-americana evoluir de tamanho

Para que tivessem suas sementes espalhadas pelos bichos, plantas tinham de se adaptar ao porte dos mamíferos locais

Megafauna que vivia no continente há 15 mil anos já está extinta, mas vegetais têm conseguido sobreviver mesmo sem a "parceria"

IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Algumas plantas brasileiras exageram na dose. Dão frutos enormes, em quantidades enormes, que poucos animais dão conta de consumir. Quem agüenta um cupuaçu sozinho?
Para explicar esse "desperdício", dois ecólogos brasileiros e um espanhol evocaram a megafauna -mamíferos gigantes que vagavam pela América do Sul antes de sua extinção em massa, há 12 mil anos.
"A América do Sul tinha uma diversidade de mamíferos maior do que a da África atual", diz Paulo Guimarães Jr., da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), um dos autores do trabalho. Segundo ele, fósseis daqueles animais indicam que eles comiam frutos. A preguiça-gigante, por exemplo, devia comer mais de uma centena de quilogramas deles por dia, produzindo montes de estrume, cheio de sementes não digeridas que o animal espalhava por uma grande área.
A idéia só está ganhando corpo agora, mas foi proposta há mais de vinte anos. Surgiu em 1982, quando o ecólogo Daniel Jazen e o paleontólogo Paul Martin perceberam que os principais dispersores de certas sementes na Costa Rica são o gado e o cavalo. Embora esses animais estejam no continente há apenas 500 anos, frutas nativas, muito mais antigas, parecem ter sido feitas especialmente para eles. Surgiu, então, a idéia de que as plantas, na verdade, se adaptaram há milhões de anos à megafauna.
Para testar a idéia, Guimarães se juntou a Mauro Galetti, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Pedro Jordano, da Estação Biológica de Doñana, de Sevilha (Espanha), para analisar frutas da África consumidas por elefantes. (A megafauna africana vive até hoje.)
A partir daí, definiram os dois tipos básicos de frutos que interagem com a megafauna: o estilo "abacate", médio e contendo até três sementes grandes, e o estilo "mamão", grande, mas contendo centenas de sementes menores.
Em uma lista de 1.361 espécies da flora brasileira, encontraram 103 frutos que se encaixam nas duas definições.

Dispersor solitário
"Apenas certas espécies de anta são capazes de engolir alguns desses frutos ", explica Guimarães. "É raro a dispersão depender de um único animal. Em geral, um fruto tem vários dispersores, e um dispersor consome várias frutas."
Os ecólogos compararam comunidades de plantas de dois locais no Brasil. Descobriram que o Pantanal possui mais que o dobro de espécies de fruta de "megaflora" que a mata atlântica. As plantas do Pantanal lembram aquelas de locais na África ricos em grandes mamíferos.
Os grandes frutos sobreviveram ao hiato de 10 mil anos sem os grandes mamíferos, dispersando sementes por meios menos eficazes: consumo ocasional por animais, estocagem por roedores e enchentes sazonais. Índios pré-históricos também ajudaram a manter as espécies.
Segundo o trio de ecólogos, essa "gambiarra" ecológica deixou marcas. Talvez por isso algumas plantas tenham ficado limitadas a certas áreas e com menor variedade genética.
Hoje, mais de 90% das árvores no Brasil dependem de aves e mamíferos para dispersar sementes. Se esses bichos sumirem como os da megafauna, os ecossistemas podem mudar de maneira parecida.


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