São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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+ Marcelo Leite

Mania de grandeza


Num mundo com recursos limitados, inovar requer preservar

Não é sempre que se topa com um relatório sobre o Brasil em inglês que cita nosso Hino Nacional, e ainda por cima de modo pertinente. Muito menos um texto bem escrito como "Brasil, A Economia de Conhecimento Natural", de Kirsten Bound, lançado pelo "think tank" britânico Demos (www.demos.co.uk).
Para quem anda deprimido com as supremas batatadas da política nacional, o documento garante overdose de otimismo. Temperado com realismo, portanto otimismo robusto. Basta erguer os olhos além do horizonte tacanho da corrupção, que domina o Brasil mas não o define, para vislumbrar um país com alguma grandeza.
Bound cita a estrofe de Joaquim Osório Duque Estrada no último parágrafo de seu estudo admiravelmente sintético sobre as relações entre natureza, economia e conhecimento (ciência, tecnologia e inovação, CT&I) no Brasil. Vem muito a calhar: "Gigante pela própria natureza / És belo, és forte, impávido colosso / E o teu futuro espelha essa grandeza".
A autora dá como favas contadas a constatação do primeiro verso. Ele é adequado tanto pela extensão territorial do país (quinto maior do mundo) quanto por abrigar 60% da maior floresta tropical do planeta, na Amazônia -além de outros cinco biomas. O problema, diz Bound, é saber se a promessa do segundo se cumprirá.
Ela avalia que as chances são boas.
Mesmo deitado em berço esplêndido, o Brasil não ficou parado. Embora tenha começado a construir um sistema de CT&I digno do nome só na década de 1930, forma mais de 600 mil graduandos, mais de 30 mil mestres e 10 mil doutores por ano. É a maior potência tecnocientífica da América Latina, quiçá do hemisfério Sul.
Além disso, sua produção acadêmica se concentra nas áreas de agricultura, biologia e ciências da Terra.
Tudo a ver com ganhos de produtividade nacional na utilização do capital natural.
Uma condição necessária -mas não suficiente- para desviar-se da trilha de exploração predatória que sempre caracterizou seu setor primário.
Muito do otimismo do relatório decorre desse vislumbre: apesar de sua forte base natural, a economia do Brasil não está condenada a permanecer imatura e subdesenvolvida, como dita o pensamento convencional.
Um país que tem uma Petrobras, uma Embraer, uma Vale e uma Embrapa não precisa provar mais nada para ninguém a esse respeito. Mas deve tirar desses exemplos a lição correta: a chave está no conhecimento, na capacidade de inovar. E inovar, num mundo em que os limites do consumo de recursos naturais ficam mais e mais evidentes, implica preservar.
É esse o dilema que se põe para o país. De um lado, tem abundância de recursos naturais e base tecnológica para explorá-los com alta competitividade. De outro, ainda patina na hora de agregar a seus produtos o valor mais demandado hoje no mercado internacional -sustentabilidade.
Os casos da Amazônia e dos biocombustíveis são paradigmáticos, sob esse aspecto. O governo Lula se esgoela para defender o desempenho nacional nessas duas frentes verdes. Não consegue, porém, sair da defensiva.
A razão é simples: formula a defesa em termos tradicionais, setoriais. Só vencerá essa barreira quando conseguir mostrar ao mundo e à própria opinião pública interna que tem um plano e um modelo de desenvolvimento nos quais a biodiversidade e outras riquezas naturais se evidenciem como patrimônio, e não só como oportunidade.
A grandeza entrevista no hino só se realizará quando deixar de ser mania para se revelar como projeto.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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