São Paulo, terça-feira, 20 de novembro de 2007

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Brasil importará poluição, disseram EUA

Afirmação está em documento de 1972 produzido pelo Departamento de Estado na véspera de 1ª conferência ambiental

Análise ecoa em posições defendidas hoje pelo país em reuniões ambientais, como a aversão à vigilância externa sobre a Amazônia

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

"No futuro, o Brasil poderá até mesmo se tornar um "porto seguro de poluição" para empresas que estejam procurando escapar a restrições de países com controles." A frase está no documento intitulado "Brazil -If Development Brings Pollution, so Be It" ("Brasil - Se o Desenvolvimento Traz Poluição, Que Assim Seja").
Seu autor é o Departamento de Estado norte-americano. O texto, disponível online desde que foi "desclassificado" (jargão dos serviços de inteligência para documentos que deixam de ser secretos), mas nunca antes publicado, traz a data de 28 de fevereiro de 1972.
Escrito por Ruth M. Schimel e aprovado por Godfrey H. Summ, da Chancelaria norte-americana, o relatório procurava dar uma panorâmica da situação do meio ambiente ("ecologia" era palavra mais em voga então) no Brasil para o governo Nixon (1969-1974).
Foi feito às vésperas do que é considerado o primeiro encontro multilateral sobre o tema, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972.
As críticas feitas então encontram eco 35 anos depois, quando o mundo se prepara para debater o tema da vez na "ecologia" -as mudanças climáticas- em Bali, na Indonésia, no mês que vem.
A oposição do Brasil a controles externos, diz o documento, "reflete medos profundos de que tais controles possam frustrar seu impressionante crescimento econômico e o cumprimento de seu destino de potência mundial".
"A política brasileira oficial [...] coloca objetivos de desenvolvimento acima do controle da poluição e busca forçar os países desenvolvidos a assumir a responsabilidade pelo controle da poluição", escreve Schimel no começo.
A sentença poderia se referir a posições que o Brasil tem defendido em encontros ambientais internacionais, como a de que os países do Terceiro Mundo não podem abrir mão de seu "direito de poluir" em nome do desenvolvimento.
Um esboço do decreto que propõe a elaboração do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que o governo Lula promete aprovar em 2008, reflete esse tipo de posição. A Folha publicou trechos do decreto no dia 10. Instado então pelo jornal a comentá-lo, Marcelo Furtado, do Greenpeace, fez crítica similar ao que já alertava o Departamento de Estado há mais de três décadas.
"A única coisa que está assegurada aqui é que o desenvolvimento econômico não será afetado(...) Essa era a posição brasileira em 1972 em Estocolmo."
O documento foi elaborado pelo hoje extinto Escritório de Pesquisa e Análise das Republicas Americanas, subordinado ao Escritório de Inteligência e Pesquisa da Chancelaria norte-americana, então comandada por William Pierce Rogers (1913-2001). Seu texto é bastante duro com a política ambiental brasileira.
No geral, afirma, os brasileiros "continuarão a estimular investimentos em grande escala que apóiem seus objetivos de desenvolvimento, mesmo que isso signifique "importar poluição"." E conclui com a frase do início dessa reportagem.
Em outro trecho, o documento arrisca uma análise do cenário político brasileiro: "Aqueles que fazem as políticas públicas estão de acordo entre si e dizem que padrões internacionais serão usados para manter as nações em desenvolvimento dependentes".
Outros, continua, "como membros do fraco Congresso e o presidente do Instituto de Estudos Oceânicos [Instituto Oceanográfico], admitem os perigos da poluição, mas no geral pedem soluções brasileiras para problemas brasileiros".


NA INTERNET - Leia o documento e a íntegra de sua tradução www.folha.com.br/073232


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