São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2001

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ASTROBIOLOGIA

Substâncias encontradas em meteoritos sugerem que peças-chave da química da vida podem ter caído do céu

Nasa acha açúcar em rocha extraterrestre

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um grupo de pesquisadores da Nasa relata hoje na revista britânica "Nature" (www.nature.com) a descoberta de moléculas de açúcar em fragmentos de dois meteoritos. Com isso, acrescentam uma peça fundamental ao quebra-cabeças da origem da vida.
Esses compostos orgânicos (feitos à base de carbono) são essenciais à vida tal como é conhecida. Eles servem para múltiplas funções, que vão desde fornecer energia para células até compor a estrutura das moléculas de DNA e RNA, que contêm o material genético dos organismos vivos.
A doce descoberta dá suporte à idéia de que a vida surgiu na Terra, ao menos parcialmente, a partir de matéria-prima proveniente de asteróides e cometas. "A idéia data de 1961", diz Mark Sephton, cientista da Open University (Reino Unido) que comentou o estudo para a revista "Nature".
"A vida é baseada em água e matéria orgânica. O Sistema Solar pode ser dividido em duas zonas: dentro do cinturão de asteróides [que existe entre as órbitas de Marte e Júpiter" e fora do cinturão. A região interna pode sustentar água líquida, enquanto a externa é rica em matéria orgânica. A idéia de que a vida na Terra surgiu de matéria-prima trazida por cometas e asteróides simplesmente junta o melhor que essas duas zonas possuem", disse Sephton por e-mail à Folha.
Ao longo dos últimos 30 anos, várias evidências foram obtidas para confirmar ao menos que esses compostos orgânicos básicos já existiam nos primórdios da formação do Sistema Solar e da Terra. Diversas substâncias, como ácidos carboxílicos e aminoácidos, foram detectadas no interior de meteoritos (pedaços de asteróides ou cometas que foram atraídos pelo campo gravitacional da Terra e aqui caíram). Mas uma detecção definitiva de açúcares tinha escapado aos cientistas.
"Essa não foi a primeira tentativa de determinar se açúcares estão presentes em meteoritos", conta George Cooper, do Centro de Pesquisa Ames, da Nasa, o primeiro autor do estudo.
Já em 1962, cientistas reportavam a detecção desses compostos em rochas espaciais, mas na ocasião foram incapazes de confirmar a origem extraterrestre dos açúcares. "Graças à instrumentação moderna, esse estudo é muito mais definitivo", diz Cooper.

Carbono extraterrestre
Para verificar se as moléculas observadas vinham mesmo do espaço, ou seja, se não haviam sido incorporadas à rocha depois que ela caiu na Terra, os cientistas analisaram o tipo de átomo que compunha as moléculas.
Cada elemento químico é determinado pelo número de prótons que há no núcleo de cada átomo. Carbono, por exemplo, tem seis prótons. Normalmente, para cada próton há um nêutron. Mas há variações, os chamados isótopos.
Assim, é possível encontrar carbono com sete nêutrons, ou mesmo oito (o tal de carbono-14, usado para fazer datações em estudos arqueológicos, tem oito nêutrons e seis prótons, daí o nome).
As versões de um elemento não se distribuem igualmente por todo o Universo. Nas rochas espaciais, como os dois meteoritos estudados, Murchison e Murray (veja quadro acima), costuma haver muito mais carbono-13 do que na superfície da Terra.
Os dois meteoritos são pedaços de asteróides classificados como condritos, cuja idade é praticamente a mesma dos planetas, cerca de 4,5 bilhões de anos.
Com a ajuda de técnicas refinadas de análise, os cientistas descobriram que o carbono encontrado tinha muito mais "cara" de carbono espacial do que de carbono terrestre, confirmando a origem das substâncias orgânicas. "Algumas delas podem ser da Terra, mas a maioria é quase certamente do espaço", afirma Cooper.

Vida fora da Terra
A constatação de que os tijolos da vida existem no espaço sugere que ela pode não ser exclusividade terrestre. "A existência de moléculas orgânicas extraterrestres úteis à vida no espaço torna mais provável que ela possa surgir em mais de um lugar", diz Sephton.
Mesmo assim, o britânico acha que isso não diz nada sobre a teoria da panspermia, segundo a qual a vida teria surgido no espaço e depois caído na Terra. "Isso é bem diferente de vida surgindo pelo uso de matéria-prima extraterrestre que despenca sobre planetas. Atualmente, não há evidência de que haja vida no espaço."


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