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São Paulo, terça-feira, 21 de janeiro de 2003

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MEDICINA

Descoberta de alemães e americanos explica por que drogas promissoras não podem conter espalhamento de câncer

Célula de tumor muda forma para migrar

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Cientistas alemães e americanos descobriram como as células do câncer conseguem migrar para os vários órgãos do corpo, escapando a drogas que deveriam contê-las. Elas são capazes de mudar de forma, esgueirando-se pelas fibras que separam os tecidos.
O achado, publicado na edição deste mês da revista científica "The Journal of Cell Biology" (www.jcb.org), explica por que algumas drogas promissoras contra a metástase (nome dado ao espalhamento do câncer por órgãos diferentes do corpo) não funcionaram. É que esses remédios só impediam uma estratégia de migração do tumor -a que envolve quebrar as fibras dos tecidos.
O novo trabalho mostra que as células migrantes adotam uma segunda maneira de viajar: ao mudar de forma, elas ficam tão maleáveis que conseguem deslizar pelos poros já existentes nas fibras. O único jeito de impedir a metástase, portanto, seria barrar as duas artimanhas.
Coordenada por Peter Friedl, da Universidade de Würzburg, na Alemanha, a pesquisa pretendia esclarecer por que as drogas usadas para impedir que as células tumorais abrissem caminho pelo corpo haviam falhado.
Sabia-se que essas migrantes malignas costumam lançar para fora substâncias que abrem buracos na chamada matriz extracelular -massa de proteínas que circunda os diferentes órgãos. Usando proteases -moléculas que despedaçam proteínas-, elas conseguem abrir caminho.

Metamorfose flagrada
Friedl e seus colegas queriam ver o que acontecia quando as proteases usadas pelas células tumorais perdiam o efeito, já que era isso o que faziam as fracassadas drogas antimetástase. "Havia alguns relatos de que essas drogas tinham falhado, mas ninguém tinha explicado exatamente como", contou Friedl à Folha.
No tubo de ensaio e em camundongos, o grupo observou dois tipos de tumor, que receberam substâncias capazes de inibir a ação das proteases. A equipe podia ver o que acontecia ao longo do tempo usando câmeras de vídeo e um microscópio que tirava fotos periodicamente.
O que os pesquisadores flagraram foi uma metamorfose completa. Sem poder contar com as proteases, as células de tumor mudaram de forma para poder atravessar as brechas nas fibras de proteína. Passaram a se parecer com um tipo de ameba (um organismo de uma célula só) que vive no solo -quase como se tivessem regredido na evolução.
A semelhança não era só física: a nova forma permitia que as células tumorais se mexessem como a ameba, comprimindo a massa celular como uma linguiça para poder atravessar as brechas na matriz, sem danificar a fibra, e expandindo-se de novo depois de ter passado.
"É como se eu estivesse numa selva e de repente perdesse o meu facão", compara Friedl. "Eu simplesmente começo a deslizar do lado das folhas, sem cortá-las, e continuo meu caminho", diz o pesquisador alemão, para quem o trabalho mostra que as células cancerosas são muito mais adaptáveis e "inteligentes" do que se costuma imaginar.
Para Friedl, a estratégia combinada que poderia barrar o processo ainda precisa ser encontrada. "Nós sugeriríamos o uso de inibidores que bloqueassem várias proteases, mas além disso é preciso descobrir como o movimento amebóide pode ser inibido", diz.


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