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Ciência em Dia
Ponto final na aventura do VLS
Marcelo Leite
editor de Ciência
Não é sem pesar que se defende, aqui,
uma opinião provavelmente impopular: é preciso pôr um ponto final na
aventura espacial brasileira com os foguetes VLS (veículo lançador de satélites). No mínimo, seria o caso de suspendê-la, até que o país se encontre em situação de investir o que for necessário para
que deixe de ser uma aventura.
Foram três fracassos em três tentativas
de lançamento. A última, em 22 de agosto do ano passado, nem chegou a ser
uma tentativa de lançamento, pois o foguete se incendiou na plataforma quando ainda era preparado para tanto, matando 21 técnicos e engenheiros civis.
Na semana que passou foi divulgado o
relatório final da comissão que investigou o acidente por seis meses. É peça de
leitura acabrunhante, ao menos na parte
que se refere aos procedimentos observados (ou não-observados, geralmente)
no Centro de Lançamento de Alcântara,
no Maranhão, a base que o Brasil fincou
perto da linha do Equador e do belo povoado colonial vizinho de São Luís.
A parte operacional do relatório foi antecipada ao público pela Folha há uma
semana, por esforço do repórter Salvador Nogueira. Para começar pelo que de
mais anedótico havia no relatório preliminar (resumido no texto final), mas a
seu modo muito revelador, há um relato
constrangedor do segurança encarregado de controlar o acesso à torre móvel de
integração onde estava o foguete.
No trecho reproduzido, ele conta que
um pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) chegou de
bermudas e acompanhado por uma mulher em sandálias de dedo e pediu para
entrar. Acesso negado, apanhou dois capacetes e seguiu em frente, deixando o
sentinela falando sozinho.
Essa é a parte curiosa. Muito mais
preocupante é o diagnóstico traçado no
relatório final, de 130 páginas, divulgado
na terça-feira. Uma das falhas que podem ter ocasionado a tragédia é um problema de blindagem nos fios torcidos
que ligam a área de comando e controle
aos detonadores instalados nos motores,
encarregados de iniciar a queima do
combustível sólido. É duro aceitar que 21
pessoas ultraqualificadas possam ter sido mortas, e milhões de dólares em equipamentos, incinerados, por causa de defeitos na fiação.
A boa nova é que o governo federal decidiu repetir o modelo da comissão de
investigação e vai convidar representantes da sociedade civil para fiscalizar a
aplicação das muitas recomendações da
comissão. A má notícia é que o ministro
da Defesa, José Viegas, estimou em nada
menos que US$ 100 milhões os investimentos necessários para pô-las em prática no prazo de um ano.
Para termo de comparação, basta dizer
que, segundo gráfico na pág. 81 do relatório final, gastou-se até agora no programa do VLS um total acumulado de
US$ 342,2 milhões. Desde 1980. Dá a média de menos de US$ 15 milhões por ano.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
pode ter dito, e o ministro José Viegas,
repetido, que um novo foguete VLS-1 será lançado até 2006, último ano de seu
mandato. Tudo bem. Fato é que o país
não tem dinheiro para investimento algum, fora bagatelas como US$ 56,7 milhões para um novo avião a ser usado nas
freqüentes excursões presidenciais.
Não há sinal à vista de que o cenário
possa mudar, o que traz mais mau agouro para o VLS. Quem viver verá.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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