São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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Ciência em Dia

Ponto final na aventura do VLS

Marcelo Leite
editor de Ciência

Não é sem pesar que se defende, aqui, uma opinião provavelmente impopular: é preciso pôr um ponto final na aventura espacial brasileira com os foguetes VLS (veículo lançador de satélites). No mínimo, seria o caso de suspendê-la, até que o país se encontre em situação de investir o que for necessário para que deixe de ser uma aventura.
Foram três fracassos em três tentativas de lançamento. A última, em 22 de agosto do ano passado, nem chegou a ser uma tentativa de lançamento, pois o foguete se incendiou na plataforma quando ainda era preparado para tanto, matando 21 técnicos e engenheiros civis.
Na semana que passou foi divulgado o relatório final da comissão que investigou o acidente por seis meses. É peça de leitura acabrunhante, ao menos na parte que se refere aos procedimentos observados (ou não-observados, geralmente) no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, a base que o Brasil fincou perto da linha do Equador e do belo povoado colonial vizinho de São Luís.
A parte operacional do relatório foi antecipada ao público pela Folha há uma semana, por esforço do repórter Salvador Nogueira. Para começar pelo que de mais anedótico havia no relatório preliminar (resumido no texto final), mas a seu modo muito revelador, há um relato constrangedor do segurança encarregado de controlar o acesso à torre móvel de integração onde estava o foguete.
No trecho reproduzido, ele conta que um pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) chegou de bermudas e acompanhado por uma mulher em sandálias de dedo e pediu para entrar. Acesso negado, apanhou dois capacetes e seguiu em frente, deixando o sentinela falando sozinho.
Essa é a parte curiosa. Muito mais preocupante é o diagnóstico traçado no relatório final, de 130 páginas, divulgado na terça-feira. Uma das falhas que podem ter ocasionado a tragédia é um problema de blindagem nos fios torcidos que ligam a área de comando e controle aos detonadores instalados nos motores, encarregados de iniciar a queima do combustível sólido. É duro aceitar que 21 pessoas ultraqualificadas possam ter sido mortas, e milhões de dólares em equipamentos, incinerados, por causa de defeitos na fiação.
A boa nova é que o governo federal decidiu repetir o modelo da comissão de investigação e vai convidar representantes da sociedade civil para fiscalizar a aplicação das muitas recomendações da comissão. A má notícia é que o ministro da Defesa, José Viegas, estimou em nada menos que US$ 100 milhões os investimentos necessários para pô-las em prática no prazo de um ano.
Para termo de comparação, basta dizer que, segundo gráfico na pág. 81 do relatório final, gastou-se até agora no programa do VLS um total acumulado de US$ 342,2 milhões. Desde 1980. Dá a média de menos de US$ 15 milhões por ano.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter dito, e o ministro José Viegas, repetido, que um novo foguete VLS-1 será lançado até 2006, último ano de seu mandato. Tudo bem. Fato é que o país não tem dinheiro para investimento algum, fora bagatelas como US$ 56,7 milhões para um novo avião a ser usado nas freqüentes excursões presidenciais.
Não há sinal à vista de que o cenário possa mudar, o que traz mais mau agouro para o VLS. Quem viver verá.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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