São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2008

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Poluição vulcânica pode ter matado os dinossauros

Erupções na Índia expeliram gases tóxicos o bastante para causar megaextinção

Novos estudos reforçam hipótese de que asteróide que caiu há 65 milhões de anos não causou sozinho o fim dos grandes répteis

Divulgação/"Science"
Montanhas formadas por pilhas de basalto (lava resfriada) de 500 metros de altura em Mahabaleshwar, planalto do Decã, Índia


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Há 65 milhões de anos, um asteróide de 10 quilômetros de diâmetro se chocou com a Terra. A violência do impacto causou a morte de mais de metade das espécies do planeta, entre elas os dinossauros. Se você já conhece essa história de cor, esqueça-a: a realidade pode não ter sido bem assim.
Dois novos estudos sugerem que megaerupções vulcânicas na região que hoje é o planalto do Decã, no oeste da Índia, podem ter sido decisivas para a extinção em massa que marcou o fim do Período Cretáceo. Se eles estiverem certos, o chamado derrame de lava do Decã pode ter sido até mesmo o verdadeiro assassino dos dinos.
Há muito tempo as megaerupções do Decã têm sido propostas como culpadas pela extinção. Primeiro, porque elas aconteceram na mesma época. Depois, porque foram colossais: hoje uma área de meio milhão de quilômetros quadrados está coberta por uma camada de até 2 km de espessura de basalto (lava resfriada).
Uma erupção com essas dimensões teria o potencial de fazer duas coisas muito ruins para a vida: liberar no ar grandes quantidades de gases tóxicos, como ácido clorídrico e dióxido de enxofre, matando tudo o que estivesse em volta; e provocar alterações climáticas radicais. Isso porque o dióxido de enxofre (SO2) ajuda a resfriar o planeta, bloqueando a luz solar.
"Quando o vulcão Laki [na Islândia] entrou em erupção, em 1783 (com cem milhões de toneladas de SO2 liberadas nos primeiros meses), causou um resfriamento generalizado no hemisfério Norte. As lavouras morreram e as pessoas passaram fome", disse à Folha o vulcanólogo Stephen Self, da Open University, Reino Unido.
O problema é que até hoje ninguém havia conseguido estimar a quantidade desses gases expelida no Decã. Portanto, não era possível calcular o impacto das erupções no clima.
Entra em cena Self. O cientista britânico e seus colegas foram buscar a resposta em pedacinhos de vidro com milésimos de milímetro de diâmetro em 150 pequenas fatias de rocha levadas ao microscópio.
Esse vidro vulcânico é formado por magma que resfria no interior do vulcão antes da erupção. Ele contém íons (átomos eletricamente carregados) de elementos como cloro e enxofre, e a abundância desses elementos é proporcional à quantidade de gás liberada durante a erupção.
Em artigo na edição de hoje da revista científica "Science" (www.sciencemag.org), o grupo de Self estima que as erupções do Decã liberaram no ar até 1 bilhão de toneladas de SO2 e centenas de milhões de toneladas de ácido clorídrico por ano. Para comparação, as emissões recentes de enxofre por atividades humanas somam 80 milhões de toneladas.
Essa quantidade de gás seria suficiente para causar chuva ácida, destruir a camada de ozônio e bloquear a luz (veja quadro acima) de forma significativa, causando a extinção.
No entanto, questionado sobre se acredita que os gases vulcânicos de fato foram os assassinos dos dinossauros,Self diz estar "em cima do muro".
Isso porque a data exata das erupções ainda é motivo de controvérsia. Sabe-se que houve pulsos de atividade vulcânica num período de 850 mil anos entre 64 milhões e 65,5 milhões de anos atrás. Mas até agora ninguém conseguiu precisar se a barreira Cretáceo-Terciário está em um desses picos de erupção.
"É preciso uma geocronologia [datação de rochas] muito precisa, o que não temos ainda", diz Sam Bowring, geocronólogo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA). E, aqui, os partidários da teoria do asteróide levam vantagem: o impacto de 65 milhões de anos atrás em Yucatán, México, ainda se correlaciona perfeitamente com a extinção.
Enquanto as novas datações não vêm, a paleontóloga Gerta Keller, da Universidade de Princeton (EUA), apela para os fósseis. Em um estudo publicado on-line na revista "Earth and Planetary Science Letters", ela e colegas afirmam que sedimentos depositados entre duas camadas de lava em um trecho de rochas de cerca de 65 milhões de anos do Decã contêm os mesmos tipos de fóssil de microrganismo marinho encontrados logo após a extinção dos dinossauros em várias partes do mundo.
"Se o trabalho de Keller estiver correto", diz Self, os cientistas terão mais evidências da conexão entre o derrame de lava e a extinção. A própria Keller é menos cautelosa: "Juntos, esses dois estudos dão evidências fortes de que o vulcanismo do Decã foi a causa provável da extinção em massa do Cretáceo-Terciário."


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