São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Paradoxo gordo

Pesquisadores americanos defendem que gordura ajuda organismo a enfrentar riscos da obesidade para a saúde

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

R oger Unger e Philipp Scherer querem a absolvição das gordurinhas que cada vez mais pessoas armazenam mundo afora. Para a dupla de pesquisadores da Universidade do Texas, o tecido adiposo é um injustiçado, que não só não seria responsável pelos efeitos nocivos à saúde associados ao excesso de peso como também funcionaria como um dos principais escudos do organismo contra o pior da alimentação calórica.
Os cientistas americanos propõem esse paradoxo gordo em artigo na revista científica "Trends in Endocrinology and Metabolism". Trata-se de uma tentativa de mapear os vários passos que levam um sujeito que come errado a desenvolver a chamada síndrome metabólica, um conjunto de características fisiológicas -como propensão ao diabetes tipo 2, pressão e colesterol altos- que está por trás das doenças letais de pessoas acima do peso.
"Dizer que a obesidade desencadeia a síndrome metabólica é um caso clássico de confundir correlação com causa", afirma Unger. "É natural que, no ambiente clínico, os médicos confundam uma coisa com outra, mas estamos vendo que o quadro real é bem mais complicado", diz ele, que também é médico de formação.

Epidemia
Entender com precisão o que acontece quando alguém ganha peso é crucial para enfrentar a atual epidemia de obesidade, um dos flagelos mais democráticos da saúde humana hoje.
Se o caso mais emblemático da epidemia são os Estados Unidos, onde mais de 60% da população está acima do peso, países em desenvolvimento estão se aproximando rápido dessa cifra (no Brasil, por exemplo, o índice é de 40%). No entanto, a correspondência entre gordura corporal e síndrome metabólica não é automática: só um sexto dos americanos sofre com o problema, diz Unger.
De um lado, as causas da epidemia estão mais do que elucidadas: nunca houve tanta oferta barata de alimentos calóricos planeta afora. Sabe-se também que, em certas situações, o tecido gorduroso, formado por adipócitos (células de gordura) e povoado por macrófagos (células do sistema de defesa do organismo), produz substâncias que favorecem processos de inflamação organismo afora, o que favoreceria os danos a vasos sanguíneos que desembocam em derrames ou ataques cardíacos, por exemplo.
No entanto, esse não é o papel "natural" das células de gordura, argumenta Unger. Além de armazenar nutrientes em excesso para que o organismo seja capaz de usá-los na hora do aperto, os adipócitos também funcionariam como uma espécie de depósito de lixo químico.
É que a presença maciça de moléculas de gordura pode ser tóxica para vários tecidos do organismo. Os adipócitos ajudariam quem come demais a se livrar desse perigo. Naturalmente, ao longo desse processo, a pessoa vai ganhando peso -mas os pneuzinhos seriam um indício de que, por enquanto, ela está protegida do pior.
Experimentos com camundongos geneticamente modificados, cuja capacidade de lidar com moléculas de gordura e produzir adipócitos foi manipulada, dão peso considerável a essa ideia. Um dos truques dos cientistas foi cruzar uma linhagem de roedores transgênicos, naturalmente resistentes à obesidade, com outra formada por bichos de apetite voraz, os quais normalmente ficavam gorduchos e desenvolviam síndrome metabólica com dez semanas de vida. O resultado? Camundongos de peso normal que, mesmo assim, tornavam-se diabéticos quatro semanas depois do nascimento.
A constatação casa com o fato de que, quando expostas a grandes quantidades de moléculas de gordura, as células do pâncreas que produzem insulina, o hormônio regulador da presença de açúcar no sangue, também sofrem mortandade em massa. A explicação mais provável para tudo isso, defendem os pesquisadores do Texas, é que os adipócitos recolhem o máximo possível de gordura do resto do organismo. Quando ficam "exaustos" dessa tarefa, o desastre acontece.

Poucos e bons quilos
Para Unger, há uma implicação prática clara para essas descobertas: mesmo esforços modestos para emagrecer podem ser cruciais para o estado de saúde de quem está acima do peso. "É preciso mudar a motivação das pessoas que querem perder peso, passando da aparência para a saúde delas", diz.
"Em geral, quando começam a restringir a ingestão de calorias, as pessoas perdem uns cinco ou dez quilos e depois não emagrecem mais. Então, passam a achar que o regime foi um fracasso", afirma ele. "Mas os dados que apresentamos mostram que esses dez ou cinco quilos podem justamente fazer a diferença entre alguém cujo tecido adiposo ainda realiza seu papel protetor e alguém que já ultrapassou o limiar perigoso e vai desenvolver a síndrome metabólica", conclui.


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