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MICRO/MACRO
Do balão de são João até a conquista do espaço
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Toda a criança é fascinada pela
possibilidade de voar. Seja soltando pipa ou um balão em São
João (aliás, um grande perigo
ecológico devido a incêndios florestais), alçar vôo, conquistar os
céus, é um sonho que todos carregam dentro de si. Desde (no
mínimo) a lenda grega de Ícaro,
que tentou voar até o Sol usando
asas de cera, a humanidade tentou se erguer de sua existência
bípede em busca das nuvens, ou
de horizontes bem mais longínquos.
No dia 4 de outubro de 1957, a
então União Soviética lançou o
primeiro dos três satélites artificiais chamados "Sputnik", que
significa "acompanhante de
viagem" em russo. O lançamento do primeiro satélite artificial
da história provocou histeria no
mundo ocidental. No meio da
Guerra Fria, quando as tensões
entre os Estados Unidos e a
União Soviética provocavam
uma absurda corrida armamentista, nada poderia ter sido mais
assustador para o mundo ocidental do que ver os russos dominar o espaço.
Sputnik 1 foi um satélite modesto, pesando apenas 84 kg,
munido de um termômetro e um
transmissor de rádio. Mas,
quando os norte-americanos
ouviram os sinais de rádio vindos dessa minúscula espaçonave
viajando sobre suas cabeças a velocidades de 27 mil quilômetros
por hora, já era tarde; os russos
tinham dado uma rasteira propagandista nos "invencíveis"
norte-americanos. A nação sofreu um choque coletivo, um
misto de fascínio e terror. E assim nasceu a corrida espacial.
O governo norte-americano
respondeu com uma promessa
ambiciosa: colocar um homem
na Lua até o final dos anos 60.
Mas, enquanto a nação se mobilizava para "roubar os céus dos
comunistas", um segundo
Sputnik foi posto em órbita no
dia 23 de novembro, levando
nosso primeiro cosmonauta, a
cadela Laika, que sobreviveu no
espaço por dez dias, provando
que era possível viver em órbita.
O lançamento desses primeiros satélites teve um profundo
impacto em toda uma geração
norte-americana. Um filme que
acaba de ser lançado aqui nos
EUA, "October Sky" (Céu de
outubro), de Joe Johnston, conta
a história, inspirada em fatos
concretos, do fascínio exercido
pelo espaço sobre quatro adolescentes, crescendo em uma pequena cidade dominada pela mineração de carvão, na Virgínia.
O filme, claro que perfumado
de valores sentimentalistas
hollywoodianos, é uma inspiração e deveria ser mostrado em
todas as escolas de ensino médio
do Brasil. Ele coloca claramente
os vários conflitos e desafios que
devem ser vencidos quando partimos em busca da realização de
nossos sonhos em um mundo
que se recusa a cooperar.
Homer, o foco de nossas atenções, nunca havia se interessado
por ciência; seu pai era o chefe
dos mineiros e seu destino já estava decidido; seria mineiro
também, como seu pai. A escola
oferecia uma educação medíocre, desenhada para afogar qualquer desejo de emancipação cultural das crianças. Até que aparece a professora inspirada, que
vê em Homer e seus três amigos
a paixão que pode transformar
suas vidas. Quando Homer vê o
Sputnik sobre os céus de sua cidade, sua vida muda; contra seu
pai, as tradições de sua família e
de sua cidade, ele resolve construir protótipos de foguetes, trocando cartas com o grande engenheiro astronáutico Werner von
Braun. E, claro, no final ele vence todos os desafios e consegue
uma bolsa de estudos para cursar a universidade, o passaporte
para uma vida na ciência, longe
das minas de carvão.
O filme mostra a importância
do mentor no desenvolvimento
de uma carreira; da inspiração
que algumas pessoas podem fornecer àqueles que sonham um
pouco mais alto. O filme é também uma celebração da iniciativa individual, do valor de nos
dedicarmos com paixão e seriedade ao que gostamos de fazer e
não ao que é mais fácil e conveniente. Apesar de óbvia, essa é
uma lição fácil de ser esquecida,
mas que não deveria ser.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo".
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