São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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ASTROFÍSICA

Simulações mostram como surge objeto de médio porte que serviria como "semente" para astro supermaciço

Grupo propõe receita para buracos negros

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Coloque um punhado de estrelas maciças e jovens num aglomerado. Bata bem e deixe descansar por alguns milhões de anos. Quando surgir no centro uma massa de uns 3.000 sóis, espere até terminar de cozinhar. Assim que o objeto entrar em colapso e sumir, está pronto para servir.
Segundo um grupo internacional de pesquisadores encabeçado por Simon Portegies Zwart, da Universidade de Amsterdã, Holanda, essa é a receita para a criação de um buraco negro de médio porte. E a explicação pode representar um legítimo "elo perdido" no estudo desses objetos.
Buracos negros são objetos tão densos, com tanta massa concentrada em tão pouco espaço, que em sua superfície a gravidade impede até mesmo a luz de escapar. Os modelos mais comuns são o "P" e o "G". Desses, o pequeno é o mais bem entendido pela ciência.
Ele surge quando uma estrela no mínimo um pouco maior que o Sol entra em colapso. Normalmente, as estrelas se mantêm estáveis por conta do processo de fusão que ocorre em seu interior -átomos de hidrogênio são fundidos pela gigantesca pressão interna, com violenta liberação de energia. Esse efeito compensa a gravidade e mantém o astro sob controle, com o mesmo tamanho.
"O Sol é muitas vezes comparado às bombas de fusão nuclear, mas essa comparação é boa apenas para demonstrar a eficiência na produção de energia", diz Portegies Zwart. "O Sol é muito estável, tem sido por 4,5 bilhões de anos e o será por uns outros 4 bilhões de anos. E assim são também estrelas mais maciças: reatores de fusão nuclear estáveis."
Quando acaba o combustível desse reator, entretanto, a gravidade passa a dominar o processo, e a estrela implode -normalmente expelindo antes suas camadas exteriores. Dependendo da contração resultante, o objeto pode atingir a densidade crítica que o transforma num buraco negro. Depois que tudo acontece, os maiores desse tipo podem ter umas dez massas solares.
No outro extremo estão os buracos negros supermaciços. Com 1 milhão a 1 bilhão de massas solares, esses monstros moram no centro das galáxias. Os astrônomos sabem que eles existem por causa dos raios X que o material circundante a eles emana, conforme é sugado para dentro do buraco. Mas ninguém sabe exatamente como surgem, nem qual é sua relação exata com a formação e a evolução galácticas.
A meio caminho entre os tamanhos P e G há algumas emissões suspeitas de raios X, vindas de alguns objetos que parecem corresponder à "assinatura" de buracos negros tamanho M. Mas sua gênese também é misteriosa.
O modelo criado por Portegies Zwart parece matar essa charada. Eles concluíram que, em alguns casos, a colisão de estrelas no centro de aglomerados densos pode acontecer em tempo hábil para que surja uma enorme estrela, com 800 a 3.000 massas solares.
Quando entra em colapso, um objeto desse tamanho provavelmente nem explode suas camadas exteriores. A gravidade é tão forte que o material todo é sugado para dentro. A implosão cria um buraco negro instantaneamente.
A explicação foi posta à prova em simulações dinâmicas feitas em computador de dois aglomerados da galáxia M 82. Um deles, o MGG 11, tem suspeitas emissões de raios X registradas pelo satélite Chandra. Já o outro, MGG 9, não tem, embora seja de resto bem semelhante. Nas simulações, o resultado foi impressionante: como seria de esperar, o MGG 11 produziu um buraco negro de tamanho médio; o MGG 9, não.
O estudo, publicado na última edição da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), é apenas um passo no entendimento desses objetos. "Estou totalmente determinado a continuar estudando esse fenômeno", diz Portegies Zwart. "Com um entendimento mais completo, seremos capazes, como já somos em certa medida, de apontar aglomerados candidatos a abrigar esses buracos negros."
A pesquisa também pode ajudar a explicar como surgem os famigerados supermaciços, no centro das galáxias. "Esse é o aspecto mais empolgante e mais importante dessa pesquisa", diz Nate McCrady, pesquisador da Universidade da Califórnia em Berkeley, que comentou o estudo de Portegies Zwart e colegas na mesma edição da "Nature".
"Nós sabemos que buracos negros supermaciços existem, mas não entendemos como eles se formam, e essa é uma das questões mais importantes em formação de galáxias. A expectativa é a de que os buracos negros supermaciços sejam construídos de buracos negros de massa intermediária, que agem como "sementes"."


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