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STF assiste a disputa ideológica pela "vida"
Primeira audiência pública já feita pela mais alta corte do país vê um desfile de currículos e aula intensiva de biologia
Objetivo do encontro, que
contou com 34 cientistas,
foi ajudar a julgar se lei que
autoriza pesquisas com
embrião é constitucional
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Trinta e quatro cientistas pró
e contra pesquisas usando células-tronco embrionárias humanas se enfrentaram ontem
diante de ministros togados do
Supremo Tribunal Federal, em
Brasília. Longe de seus laboratórios, os pesquisadores deram
um lustro no didatismo para fazer os magistrados entenderem
suas respostas à pergunta:
"Quando começa a vida?"
O propósito do questionamento espinhoso (que já foi feito por Santo Agostinho, no século 5º), é ajudar os ministros
do STF a decidir sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, aprovada em 2005,
que autoriza a pesquisa com células-tronco extraídas de embriões produzidos in vitro para
fins de reprodução assistida.
Células-tronco embrionárias
são capazes de se diferenciar
em qualquer tecido no corpo,
sendo portanto uma aposta da
medicina no tratamento de várias doenças hoje incuráveis.
Para serem obtidas, elas requerem a destruição de embriões
com poucos dias de existência.
A lei permite o uso de embriões inviáveis para gestação
ou que estejam congelados há
mais de três anos.
O subprocurador Claudio
Fonteles, autor do questionamento e homem de confiança
da Igreja Católica, diz que não
se pode permitir que embriões
sejam usados na pesquisa. Ele
cita o artigo 5º da Constituição
Federal, que assegura o direito
à vida. Para Fonteles, se a vida
começa na fecundação, a pesquisa com embriões é inconstitucional, porque os destrói.
A primeira audiência pública
da história do STF acabou virando um intensivão de biologia, em que se enfrentaram currículos científicos vistosos. Um
dos oradores foi Julio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto,
festejado por ter conseguido livrar das injeções de insulina
pacientes diabéticos. Voltarelli
-que células-tronco adultas
em pesquisas- foi depor favoravelmente ao uso de embriões.
A pró-reitora de Pesquisa da
USP, Mayana Zatz, apresentou
em telão imagens de pacientes
de doenças degenerativas, muitos deles crianças com prognósticos de dor e sofrimento.
O mesmo recurso foi usado
pelo próprio Voltarelli, que, ao
concluir sua intervenção, mostrou foto com seus pacientes:
"Vocês discutirão à exaustão o
que é vida. Eu garanto a vocês
que esses pacientes são vivos."
"Por que preservar um embrião congelado e sem viabilidade, mesmo sabendo que a
probabilidade de ele gerar um
ser humano é praticamente zero?", perguntou Zatz.
Mas o que são embriões inviáveis? Patrícia Pranke, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostrou fotos de embriões chamados de tipo A, B, C e D, segundo
critérios usados pelas clínicas
de reprodução assistida.
Pranke afirmou que embriões de tipo D são aqueles
com alto grau de fragmentação.
Raramente são implantados no
útero, pois têm pouca chance
de gerar gestação. "Quando
frescos, só 6% desses embriões
fixam-se no útero. Se congelados, as chances caem a 0,8%."
Segundo a cientista, embriões C e D apresentam alta
incidência de malformação fetal. "Esses embriões acabam
sendo descartados. Por que não
usá-los na pesquisa?"
Do lado dos adversários da
pesquisa com células-tronco
embrionárias, Lenise Garcia,
professora da Universidade de
Brasília, defendeu que a vida
começa na fecundação.
"Veja uma borboleta. Lagarta
e borboleta não se parecem,
mas são o mesmo indivíduo em
fases diferentes da vida. O Ibama protege o ovo da tartaruga
porque sabe que ali está uma
tartaruguinha. O embrião é um
ser humano em potencial, mas
um ser humano em uma fase
específica da vida", disse.
Segundo Elizabeth Kipman
Cerqueira, coordenadora do
Centro de Bioética do Hospital
São Francisco, de Jacareí (SP),
o fato de o embrião ter uma fração do diâmetro do buraco de
uma agulha de injeção não é argumento. "O ser humano não
se define pelo tamanho nem
pela aparência, mas pelas potencialidades. No instante em
que o espermatozóide encontra o óvulo, ele tem potencial
para desenvolver um indivíduo
completo. É esse desenvolvimento que os feticidas [assassinos de fetos] pretendem interromper."
Alice Teixeira Ferreira, da
USP, defendeu uma pesquisa
intensiva de células-tronco
adultas, como alternativa às
embrionárias. Foi secundada
por Marcelo Mazzetti, da mesma universidade, para quem a
pesquisa com células-tronco
adultas já resultou em 72 terapias eficientes.
"O placar está 72 a zero para
as células adultas. Por que insistir em um procedimento que
mata embriões?"
O relator da ação no STF, ministro Ayres Britto, vai apresentar um relatório sobre a
aduência para outros ministros
do STF em junho. O julgamento ainda não tem data marcada.
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