São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Descoberta do efeito estufa faz 150 anos

Um século e meio após experimentos de John Tyndall, velocidade com a qual termômetro responde a CO2 ainda é controversa

Estudo pioneiro, publicado em 10 de junho de 1859, quatro meses antes de "A Origem das Espécies", não teve impacto imediato

Getty Images
John Tyndall, pesquisador irlandês que explicou o efeito estufa


GUSTAVO FALEIROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NORWICH (REINO UNIDO)

A teoria do efeito estufa acaba de completar 150 anos, mas seu potencial de gerar controvérsias continua vigoroso.
A prova de que alguns gases, como o gás carbônico e o metano, agem como reguladores da temperatura da Terra foi apresentada em 1859 pelo químico irlandês John Tyndall. Desde então, diversas pesquisas buscam determinar como a temperatura do planeta responde ao aumento da concentração desses gases -os gases-estufa.
Existe consenso de que a elevação dos níveis de gás carbônico causou um aquecimento anormal no último século. No entanto, há ainda incertezas sobre o ritmo com o qual os termômetros reagem a essas alterações na concentração .
O aumento total da temperatura da Terra caso a concentração de gases-estufa na atmosfera duplique é conhecida como sensibilidade climática. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC, afirma que dobrar o CO2 em relação à era pré-industrial pode causar elevações de 1,5C a 6C na temperatura global. Uma considerável margem de erro.
É esta faixa de incerteza que mantém acessas as disputas sobre metas para redução de emissões. Enquanto alguns especialistas afirmam que a temperatura perderia o controle se a concentração de gás carbônico ultrapassasse 450 partes por milhão (ppm), diplomatas usam o limite de até 550 ppm nas negociações do novo acordo climático na ONU.
O climatologista Peter Stone, do Instituto de Tecnologia de Massachussets, autor de estudos sobre sensibilidade climática nas últimas décadas, afirma que as dúvidas sobre o funcionamento do efeito estufa ainda persistem porque não há conhecimento suficiente sobre o papel das nuvens e dos oceanos no clima. Ambos ajudam a alterar o balanço do calor retido na Terra: as nuvens podem tanto refletir radiação quanto ajudar a retê-la.
Já os oceanos absorvem o calor, retardando o aumento dele na atmosfera. "A sensibilidade climática é normalmente definida como uma mudança no equilíbrio. Quanto a temperatura da superfície terrestre precisa aumentar se dobrarmos a concentração de CO2 para que o sistema climático atinja equilíbrio? O problema é que não temos observações globais para saber o quão longe estamos do equilíbrio", diz Stone.

Pioneiro
Mike Hulme, professor da Escola de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia (Reino Unido), explica que foi John Tyndall quem iniciou, em junho de 1859, a linhagem de cientistas que passou a estudar a sensibilidade climática.
O químico sueco Svante Arrhenius, o primeiro a calcular, em 1896, o potencial de aquecimento atmosférico com o aumento de CO2, citou Tyndall em seu artigo "por ter apontado a importância da questão".
"Na época o experimento de Tyndall não teve um grande impacto, não revolucionou, como alguns meses depois faria a teoria de Darwin. Foram necessários mais 40 anos até que Arrhenius tentasse quantificar a relação entre gás carbônico e temperatura", diz Hulme. O experimento do cientista irlandês ocorreu seis meses antes da publicação de "A Origem das Espécies", por Charles Darwin.
Durante sete semanas, entre abril e maio de 1859, Tyndall testou de que forma alguns gases permitiam que a radiação do Sol penetrasse a atmosfera mas conseguiam barrar depois o calor emitido pela superfície terrestre em forma de raios infravermelhos. Ele buscava provar especulações feitas por físicos nas décadas de 1820 e 1830 como o francês Jean-Baptiste Fourier, de que algo na Terra ajudava a reter o calor.
O experimento de Tyndall consistia em testar diferentes concentrações de vapor da água e o chamado "gás-carvão", uma mistura de CO2, metano (CH4) e hidrogênio, e quanta energia era absorvida. Para tanto, ele usou fontes de calor que emitiam a radiação infravermelha dentro de um tubo onde dosava diferentes concentrações dos gases, medindo a energia que passava com uma pilha termoelétrica (que funcionava à base de calor).
Correspondências da época mostram que Tyndall estava particularmente intrigado pela teoria de Louis Agassiz, lançada em 1837, sobre os sucessivos períodos de glaciação na Terra.

Cético de si mesmo
Nos artigos que escreveu entre 1859 e 1866, após provar as propriedades dos gases de efeito estufa, Tyndall descartou que mudanças nas concentração de gases estufa, isoladamente, seriam capaz de determinar as eras glaciais. Hulme diz que Tyndall chegou a inferir a relação direta entre o possível aumento na concentração de certos gases e o aquecimento do planeta, sem destacar, no entanto, que isso ocorreria por resultado da ação humana.
Após os cálculos de Arrhenius, outros pesquisadores seguiram buscando relacionar temperatura e concentração dos gases. O britânico Guy Callendar foi o primeiro, em 1938, a argumentar que a queima de combustíveis fósseis elevaria o gás carbônico a um nível capaz de alterar a temperatura global.
A ideia foi refutada na época. Demorou ainda quase 70 anos para que cientistas reunidos no IPCC colocassem, em seu quarto relatório, que com 90% de certeza o homem estava interferindo na temperatura global.


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