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Cérebro turbinado
Bioeticista pede liberação de drogas para "doping mental", como a Ritalina, dizendo que elas são uma extensão natural da educação
JEREMY LAURENCE
DO "INDEPENDENT"
Em pleno período de
provas, a oferta de
uma droga que possa
melhorar as notas poderia deixar os alunos
animados, mas aterrorizaria os
pais. Agora, um bioeticista britânico diz que é hora de abraçar o "doping mental", o uso de
drogas que aumentam o desempenho cognitivo. A sugestão vem de John Harris, diretor
do Instituto para Ciência, Ética
e Inovação da Universidade de
Manchester e editor-chefe do
"Journal of Medical Ethics".
É a segunda manifestação de
peso a favor da liberação do uso
"off label" (sem receita médica)
dessas substâncias. No fim do
ano passado, Harris e mais seis
pesquisadores já haviam pedido, na revista "Nature", a regulação de drogas cognitivas.
A principal da categoria é a
Ritalina, usada para tratar
crianças hiperativas. Ela já tem
um mercado negro entre os estudantes, especialmente nos
EUA. Eles estão trocando estimulantes tradicionais, como
café e cigarros, pela Ritalina.
Os usuários dizem que a droga
ajuda a melhorar a concentração, algo que já foi confirmado
em pesquisas com adultos.
David Green, aluno da Universidade Harvard, disse ao
jornal "The Washington Post":
"Honestamente, desde o ensino médio eu não escrevo um
artigo sem Ritalina".
Matt, estudante de administração de empresas da Universidade da Flórida, disse que
uma droga parecida, o Adderall, ajudou-o a melhorar as notas. "É um santo remédio", disse ao "Boston Globe". "É incrível como minha concentração
melhora quando eu uso."
Alguns especialistas condenaram a tendência e acusaram
os estudantes de tirar "vantagem injusta" por meio do doping, sem explicarem por que
isso seria mais injusto do que
contratar um professor particular, por exemplo.
Harris diz que os argumentos contra as drogas "não têm
sido persuasivos" e que a sociedade deve buscar turbinar a
cognição. "Não é racional ser
contra o aprimoramento", escreveu. "Os humanos são criaturas que resultam de um processo de aprimoramento chamado evolução e, além disso,
aprimoram a si próprios de todo jeito possível."
Embora nenhuma droga seja
100% segura e livre de efeitos
colaterais, a Ritalina foi considerada segura o suficiente para
ser administrada a crianças
com distúrbio de déficit de
atenção (DDA) há vários anos,
afirma Harris.
A Ritalina é um estimulante
introduzido em 1956, que parece influenciar a maneira como
o cérebro filtra e responde a estímulos. Ela aumenta a energia
e a confiança, e já foi comparada à cocaína. Efeitos colaterais
possíveis incluem insônia, inapetência, tontura e depressão
após o fim do uso.
Outras drogas investigadas
quanto ao seu papel de aprimoradoras mentais incluem o donepezil, usado para tratar demência, e o modafinil, para
narcolepsia. Ambas possivelmente ampliam o desempenho
em tarefas que requerem habilidade, nas quais a concentração e o estado de alerta são pré-requisitos. Um estudo mostrou
que pilotos comerciais que tomaram donepezil por um mês
lidaram melhor com emergências num simulador de voo do
que os que tomaram placebo.
Um estudo do modafinil concluiu que ele aumentava o desempenho, num simulador de
voo, de pilotos de helicóptero
que tiveram privação de sono.
Num artigo na edição on-line
do "British Medical Journal",
Harris disse que o uso de drogas para aumentar o desempenho cognitivo deveria ser visto
como uma extensão natural do
processo de educação. As agências reguladoras de fármacos
deveriam avaliar os benefícios
e os riscos da mesma forma como avaliariam qualquer outra
intervenção médica.
Questão de ética
"Suponha que uma universidade queira aumentar a capacidade mental de seus alunos. Suponha que eles digam também
que não só poderiam fazer isso
como também que seus alunos
seriam os mais inteligentes da
história. Nós poderíamos não
acreditar, mas, se as alegações
pudessem ser provadas, deveríamos ficar satisfeitos?"
Sua resposta é um sonoro
"sim". Ele conclui que é antiético impedir as pessoas de tomarem Ritalina para aumentarem
seu desempenho mental.
Em total desacordo, Anjan
Chatterjee, da Universidade da
Pensilvânia (EUA), argumenta
na mesma edição do "British
Medical Journal" que há riscos
demais. Nos EUA [e no Brasil],
a Ritalina é um remédio de tarja preta, pois tem alto potencial
de abuso, dano ao coração e risco de morte súbita.
Ele acrescenta que há compensações cognitivas na Ritalina, como a perda da criatividade. Ele levanta o fantasma de
pré-vestibulandos tomando a
droga em "proporções epidêmicas" e de motoristas, policiais e médicos pressionados a
usá-la em plantões.
O progresso sempre traz risco, diz Harris. O desenvolvimento de tochas, lampiões e
lâmpadas elétricas poderia ter
forçado as pessoas a trabalhar
noite adentro. A resposta não
foi banir essas tecnologias, mas
regular as horas de trabalho.
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