UOL


São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

Próximo Texto | Índice

SOCIOLOGIA

Modelo matemático sugere que o quéchua, embora falado por 8 milhões de pessoas, pode desaparecer até 2030

Língua de índios peruanos tende a sumir

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ninguém se arriscaria a dizer que o quéchua, uma língua indígena falada por cerca de 8 milhões de pessoas no Peru e em outros três países, corre o risco de sumir do mapa. Mas é exatamente essa a previsão de um modelo matemático desenvolvido por uma dupla de pesquisadores americanos, que pode ajudar a entender como as línguas morrem -e o que pode ser feito para salvá-las.
"O que nosso modelo mostra é que você tem de fazer algo. Se você deixa as línguas se virarem sozinhas, uma delas quase certamente vai suplantar a outra", resume o matemático Steven Strogatz, da Universidade Cornell, no Estado de Nova York. Ele e seu orientando Daniel Abrams, físico, assinam o estudo que sai hoje na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
O modelo dos pesquisadores usa basicamente duas variáveis: a população falante de cada uma das línguas que coexistem dentro de um território e o status atribuído a elas. O resultado alarmante é que, mesmo que uma língua ainda tenha um número razoável de falantes e pareça saudável, o declínio é inevitável caso seu status seja mais baixo que o do idioma que compete com ela.
Parece estranho que uma dupla como Abrams e Strogatz tenha decidido se embrenhar num problema ao mesmo tempo linguístico e social -o desaparecimento de 90% das 5.000 línguas faladas hoje no planeta, na próxima geração. "Na verdade, o interesse por línguas de Danny [Abrams] é a alma do trabalho", conta Strogatz, 44. "Ele decidiu estudar quéchua e se viu embrenhado na questão do declínio dessa língua."

De igreja em igreja
A coisa ficou séria quando Abrams, durante uma viagem ao Peru, resolveu encarar o problema cientificamente. Como o declínio do quéchua ao longo dos tempos não tinha sido documentado, ele resolveu conseguir dados aproximados visitando igrejas das cidades peruanas e perguntando ao vigário de cada uma quando tinha sido a última vez que uma missa tinha sido celebrada na língua dos índios peruanos.
Unindo a estimativa conseguida com esses registros às estatísticas confiáveis documentando o declínio de duas línguas do Reino Unido, o galês e o gaélico escocês, os pesquisadores aplicaram seu modelo. "É claro que ele é apenas aproximado, porque nós consideramos que as populações que falam as duas línguas estão em contato completo, e que ninguém é bilíngue", diz Abrams, 25.
Feitas as contas, a dupla verificou que a força do número de falantes de cada uma das línguas competidoras (espanhol no caso do quéchua, inglês para o galês e o gaélico) parecia ser mais ou menos igual para todas as regiões estudadas. Aparentemente, o que está fazendo diferença é o status -definido como qualquer vantagem social ou econômica que alguém venha a obter por deixar a língua materna e adotar outra.
No caso do quéchua, em que muitos netos não são mais capazes de conversar com os avós, o modelo prevê o status mais baixo, e a possível extinção, até 2030. "O modelo tem um poder preditivo -se nada mudar, é claro."
E quanto a línguas como o espanhol falado nos Estados Unidos, que cresce cada vez mais graças à imigração? "Eu cresci no Texas e acho que posso falar com conhecimento de causa", afirma Abrams. "Ali, as pessoas falam muito espanhol, e isso mascara a falta de status da língua. Mas a tendência dos filhos e netos é falar apenas inglês, exatamente por causa do status."

Simples demais
Para o linguista norte-americano Denny Moore, especialista em línguas amazônicas do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, o modelo falha justamente em não levar em conta o bilinguismo ou o multilinguismo. "É o caso do Xingu, onde várias línguas convivem de forma estável", afirma.
"Eles mostram que a situação é parecida em alguns lugares. Mas o que determina a sobrevivência da língua é quantos jovens estão aprendendo a usá-la, e se existe um contexto social no qual ela ainda é dominante", diz Moore, para quem projetos de educação bilíngue precisam trazer prestígio para a língua ameaçada.


Próximo Texto: Medicina: Ludwig discute estratégia anticâncer
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.