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SOCIOLOGIA
Modelo matemático sugere que o quéchua, embora falado por 8 milhões de pessoas, pode desaparecer até 2030
Língua de índios peruanos tende a sumir
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ninguém se arriscaria a dizer
que o quéchua, uma língua indígena falada por cerca de 8 milhões
de pessoas no Peru e em outros
três países, corre o risco de sumir
do mapa. Mas é exatamente essa a
previsão de um modelo matemático desenvolvido por uma dupla
de pesquisadores americanos,
que pode ajudar a entender como
as línguas morrem -e o que pode ser feito para salvá-las.
"O que nosso modelo mostra é
que você tem de fazer algo. Se você deixa as línguas se virarem sozinhas, uma delas quase certamente vai suplantar a outra", resume o matemático Steven Strogatz, da Universidade Cornell, no
Estado de Nova York. Ele e seu
orientando Daniel Abrams, físico,
assinam o estudo que sai hoje na
revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
O modelo dos pesquisadores
usa basicamente duas variáveis: a
população falante de cada uma
das línguas que coexistem dentro
de um território e o status atribuído a elas. O resultado alarmante é
que, mesmo que uma língua ainda tenha um número razoável de
falantes e pareça saudável, o declínio é inevitável caso seu status seja mais baixo que o do idioma que
compete com ela.
Parece estranho que uma dupla
como Abrams e Strogatz tenha
decidido se embrenhar num problema ao mesmo tempo linguístico e social -o desaparecimento
de 90% das 5.000 línguas faladas
hoje no planeta, na próxima geração. "Na verdade, o interesse por
línguas de Danny [Abrams] é a alma do trabalho", conta Strogatz,
44. "Ele decidiu estudar quéchua e
se viu embrenhado na questão do
declínio dessa língua."
De igreja em igreja
A coisa ficou séria quando
Abrams, durante uma viagem ao
Peru, resolveu encarar o problema cientificamente. Como o declínio do quéchua ao longo dos
tempos não tinha sido documentado, ele resolveu conseguir dados aproximados visitando igrejas das cidades peruanas e perguntando ao vigário de cada uma
quando tinha sido a última vez
que uma missa tinha sido celebrada na língua dos índios peruanos.
Unindo a estimativa conseguida
com esses registros às estatísticas
confiáveis documentando o declínio de duas línguas do Reino Unido, o galês e o gaélico escocês, os
pesquisadores aplicaram seu modelo. "É claro que ele é apenas
aproximado, porque nós consideramos que as populações que falam as duas línguas estão em contato completo, e que ninguém é
bilíngue", diz Abrams, 25.
Feitas as contas, a dupla verificou que a força do número de falantes de cada uma das línguas
competidoras (espanhol no caso
do quéchua, inglês para o galês e o
gaélico) parecia ser mais ou menos igual para todas as regiões estudadas. Aparentemente, o que
está fazendo diferença é o status
-definido como qualquer vantagem social ou econômica que alguém venha a obter por deixar a
língua materna e adotar outra.
No caso do quéchua, em que
muitos netos não são mais capazes de conversar com os avós, o
modelo prevê o status mais baixo,
e a possível extinção, até 2030. "O
modelo tem um poder preditivo
-se nada mudar, é claro."
E quanto a línguas como o espanhol falado nos Estados Unidos,
que cresce cada vez mais graças à
imigração? "Eu cresci no Texas e
acho que posso falar com conhecimento de causa", afirma
Abrams. "Ali, as pessoas falam
muito espanhol, e isso mascara a
falta de status da língua. Mas a
tendência dos filhos e netos é falar
apenas inglês, exatamente por
causa do status."
Simples demais
Para o linguista norte-americano Denny Moore, especialista em
línguas amazônicas do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém,
o modelo falha justamente em
não levar em conta o bilinguismo
ou o multilinguismo. "É o caso do
Xingu, onde várias línguas convivem de forma estável", afirma.
"Eles mostram que a situação é
parecida em alguns lugares. Mas o
que determina a sobrevivência da
língua é quantos jovens estão
aprendendo a usá-la, e se existe
um contexto social no qual ela
ainda é dominante", diz Moore,
para quem projetos de educação
bilíngue precisam trazer prestígio
para a língua ameaçada.
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