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Ciência em Dia
Embriaguez com números
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Ninguém é cidadão, hoje em dia,
e muito menos pode considerar-se
um intelectual, se não souber qual
é o PIB (Produto Interno Bruto)
brasileiro, a circunferência da Terra no Equador, a área da floresta
amazônica no Brasil ou quantas
patas tem uma aranha. Vivemos
numa época que transformou os
números e as cifras em fetiches, a
ponto de qualquer relatório com
um refogado de dados do Censo de
2000 virar notícia, como logo percebeu o IBGE (Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística). No entanto, parece haver cada
vez menos capacidade de conhecê-los e manejá-los com
propriedade.
É um terreno fértil
para a manipulação e
também para o erro.
Quantas vezes você já
não leu notícias que
confundem bilhão
com milhão? Uma
maneira depreciativa
de explicar a freqüência desse erro é dizer
que os jornalistas não
conseguem aquilatar a diferença
entre uma coisa e outra porque são
quantidades que nunca aportarão
em suas contas bancárias. Já nas de
publicitários...
As grandes cifras, ou as muito diminutas, ou ainda aquelas apenas
desconhecidas, têm grande capacidade de despertar interesse, e não
só indignação (quando circulam
em malas pretas ou abaixo da cintura). Números são fascinantes em
si mesmos. É por isso que sempre
se lê com prazer a seção "Matters
of Scale" (questão de escala) da revista "Worldwatch", publicada pelo "think-tank" ambientalista de
mesmo nome sediado em Washington (www.worldwatch.org).
Você sabia, por exemplo, que o
grande naturalista Lineu estimou
em 1758 que havia no mundo cerca de
20 mil espécies vivas, entre vegetais e
animais? Hoje já se conhecem, entre
plantas, bichos e micróbios, cerca de
1,5 milhão, mas as estimativas apontam para o esbugalhante intervalo de 4
milhões a 100 milhões. É uma maneira
sofisticada de dizer que ninguém faz a
menor idéia.
Todos os seres humanos sobre a
Terra, juntos, pesam alguma coisa da
ordem de 250 milhões de toneladas. É
uma espécie de peso, pode-se dizer,
mas menos pela biomassa, propriamente dita, do que pelos efeitos de sua
presença sobre o planeta. Afinal, trata-se de um peso-pena. Só o rascunho de
camarão da Antártida conhecido como krill pesa o dobro, coletivamente.
E as cianobactérias, que flutuam nos
oceanos sem ninguém
ver, ganham de lavada: 44 bilhões de toneladas. Bilhões.
Um corpo humano
é composto por uma
coleção de cerca de
100 trilhões de células.
Agora, duro de engolir são quantas bactérias se hospedam em
cada organismo da
nossa espécie, no meu
e no seu corpo, a começar pelos intestinos: 1 quatrilhão.
É demais, não?
Em tempo, para o caso de o leitor ter
ficado com a pulga atrás da orelha: o
PIB brasileiro em 2004 foi de R$ 1,8 trilhão (o equivalente a meio carro popular por cabeça), na linha do Equador a Terra tem uma circunferência de
aproximadamente 40 mil quilômetros
(dez vezes a largura máxima do Brasil), a floresta amazônica se estende
por cerca de 4 milhões de quilômetros
quadrados (metade do território nacional) e toda aranha tem oito patas (e
não seis, como os insetos).
Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro "O DNA" (Publifolha) e responsável pelo blog Ciência em Dia
(cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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