São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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Ciência em Dia

Embriaguez com números

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Ninguém é cidadão, hoje em dia, e muito menos pode considerar-se um intelectual, se não souber qual é o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, a circunferência da Terra no Equador, a área da floresta amazônica no Brasil ou quantas patas tem uma aranha. Vivemos numa época que transformou os números e as cifras em fetiches, a ponto de qualquer relatório com um refogado de dados do Censo de 2000 virar notícia, como logo percebeu o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No entanto, parece haver cada vez menos capacidade de conhecê-los e manejá-los com propriedade.
É um terreno fértil para a manipulação e também para o erro. Quantas vezes você já não leu notícias que confundem bilhão com milhão? Uma maneira depreciativa de explicar a freqüência desse erro é dizer que os jornalistas não conseguem aquilatar a diferença entre uma coisa e outra porque são quantidades que nunca aportarão em suas contas bancárias. Já nas de publicitários...
As grandes cifras, ou as muito diminutas, ou ainda aquelas apenas desconhecidas, têm grande capacidade de despertar interesse, e não só indignação (quando circulam em malas pretas ou abaixo da cintura). Números são fascinantes em si mesmos. É por isso que sempre se lê com prazer a seção "Matters of Scale" (questão de escala) da revista "Worldwatch", publicada pelo "think-tank" ambientalista de mesmo nome sediado em Washington (www.worldwatch.org).
Você sabia, por exemplo, que o grande naturalista Lineu estimou em 1758 que havia no mundo cerca de 20 mil espécies vivas, entre vegetais e animais? Hoje já se conhecem, entre plantas, bichos e micróbios, cerca de 1,5 milhão, mas as estimativas apontam para o esbugalhante intervalo de 4 milhões a 100 milhões. É uma maneira sofisticada de dizer que ninguém faz a menor idéia.
Todos os seres humanos sobre a Terra, juntos, pesam alguma coisa da ordem de 250 milhões de toneladas. É uma espécie de peso, pode-se dizer, mas menos pela biomassa, propriamente dita, do que pelos efeitos de sua presença sobre o planeta. Afinal, trata-se de um peso-pena. Só o rascunho de camarão da Antártida conhecido como krill pesa o dobro, coletivamente. E as cianobactérias, que flutuam nos oceanos sem ninguém ver, ganham de lavada: 44 bilhões de toneladas. Bilhões.
Um corpo humano é composto por uma coleção de cerca de 100 trilhões de células. Agora, duro de engolir são quantas bactérias se hospedam em cada organismo da nossa espécie, no meu e no seu corpo, a começar pelos intestinos: 1 quatrilhão.
É demais, não?
Em tempo, para o caso de o leitor ter ficado com a pulga atrás da orelha: o PIB brasileiro em 2004 foi de R$ 1,8 trilhão (o equivalente a meio carro popular por cabeça), na linha do Equador a Terra tem uma circunferência de aproximadamente 40 mil quilômetros (dez vezes a largura máxima do Brasil), a floresta amazônica se estende por cerca de 4 milhões de quilômetros quadrados (metade do território nacional) e toda aranha tem oito patas (e não seis, como os insetos).


Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro "O DNA" (Publifolha) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br

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