São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 2005 |
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ARQUEOLOGIA Cerâmica indígena e de origem portuguesa é encontrada onde existia o quilombo, indicando traço multicultural Escavações sugerem Palmares "mestiço"
REINALDO JOSÉ LOPES DA REPORTAGEM LOCAL Depois de quase uma década desde que as primeiras escavações foram feitas, os arqueólogos estão voltando a meter sua colher num dos lugares mais míticos e pouco compreendidos da história brasileira: o quilombo dos Palmares, no interior alagoano. Por enquanto, a equipe da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) continua a achar vestígios de uma forte presença indígena no lugar, ao lado de cerâmica de influência portuguesa. Nada que lembre decididamente a África emergiu das escavações, que estão sendo conduzidas desde março e devem ir pelo menos até 20 de novembro, data em que se recorda a destruição do quilombo. Ainda é cedo para dizer o que essa estranha ausência num lugar que era (ou pelo menos deveria ser) o reduto de africanos fugitivos significa, mas uma das possibilidades é que os palmarinos, na verdade, tenham se reinventado como grupo étnico, incorporando influências dos demais povos do Nordeste brasileiro do século 17. "Essa é uma hipótese que eu propus para explicar os dados da arqueologia, embora ela ainda não esteja comprovada", ressalva o arqueólogo americano Scott Joseph Allen, da Ufal, que coordena os trabalhos na área. Preliminares Allen explica que os primeiros arqueólogos a estudarem a região da serra da Barriga, no começo dos anos 1990, não tiveram chance de investigar Palmares a fundo. "Havia o que nós chamamos de pesquisas exploratórias e preliminares", conta ele. Mesmo nessa fase, os primeiros dados já revelavam influências não-africanas. Para alguns parecia no mínimo estranho que o local-símbolo da luta pelos direitos dos negros brasileiros contrariasse sua própria aura, e a Fundação Cultural Palmares, órgão que zelava pelo sítio, acabou proibindo as atividades arqueológicas ali em 1997. Como há a intenção de aumentar significativamente a estrutura para receber visitantes na serra da Barriga durante as comemorações que acontecem anualmente lá em 20 de novembro, Allen e seus colegas recomeçaram os estudos pelo sítio conhecido como SB1, que deverá receber o impacto inicial das obras. A equipe descobriu, por exemplo, urnas funerárias indígenas numa área que deveria ser um estacionamento. "Muito material parece ter sido danificado pelos carros que subiam anualmente a serra. Conseguimos inclusive associar especificamente a quebra de urnas e panelas com esse impacto", conta Allen. Outro problema sério é que o alto do platô onde as comemorações acontecem foi terraplanado, o que bagunçou significativamente a estratigrafia (a sucessão de camadas de solo) do lugar. Por isso tudo, ainda é difícil traçar associações temporais claras entre os diferentes tipos de artefato. É certo que, em épocas pré-históricas (a data mais antiga é de uns mil anos atrás), o lugar foi ocupado por indígenas provavelmente ligados ao tronco lingüístico macro-jê, comum em todo o Brasil Central e, em tempos antigos, também no interior nordestino. "Também temos registros que podem ser associados à tradição tupinambá, que chegou posteriormente à região", diz Allen. A presença de faiança grossa (um tipo de cerâmica tipicamente portuguesa, só que produzida com menos refinamento, na própria colônia) em associação com a cerâmica indígena ainda é difícil de interpretar com clareza. "Não podemos negar uma proximidade muito forte entre os índios e os palmarinos. Mas ainda precisamos de muito mais pesquisa para saber que tipo de relação era essa", afirma o pesquisador. Os indígenas poderiam fazer parte da população do quilombo ou, no mínimo, comerciavam com os negros. Esse tipo de contato explicaria a presença da faiança -registros históricos falam de trocas entre os habitantes do quilombo e os colonos, ou de brancos que se mudaram para lá. "O sítio é muito complexo, mas parece-me que estamos nos aproximando de um bom entendimento da seqüência de ocupação", diz Allen. Com o auxílio do computador, os pesquisadores pretendem investigar a presença de cercas defensivas e outras estruturas arquitetônicas na área. Próximo Texto: Saiba mais: Reduto escravo resistiu por cerca de um século Índice |
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