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ENTREVISTA DA 2ª - DAVID VICTOR
Acordo de Copenhague não fará diferença em emissão
Para professor da Universidade da Califórnia em San Diego, próximo tratado do clima corre o risco de cometer os mesmos erros do Protocolo de Kyoto
NUM MOMENTO em que o mundo pede
pressa na negociação de um novo
acordo do clima, a posição do cientista político
americano David Victor
parece bizarra: ele quer
que os governos parem
um pouco para conversar. Uns dois anos. Não é
que Victor seja contra um
acordo forte contra os gases-estufa. Ao contrário:
o que ele quer, diz, é evitar que os diplomatas
reunidos em Copenhague em dezembro produzam um acordo cheio de
promessas impossíveis
de cumprir.
DA REDAÇÃO
Victor diz temer um tratado
que, no final das contas, não leve a uma redução significativa
de emissões e ainda provoque
desistências de alguns países
no caminho. Um acordo assim
já existe: o Protocolo de Kyoto,
que tem metas pífias de redução para países desenvolvidos e
que foi abandonado pelo maior
poluidor do planeta, os EUA.
"Estamos cometendo quase
os mesmos erros que cometemos com Kyoto", afirma Victor,
professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos
mais célebres críticos do acordo no mundo acadêmico.
Segundo o pesquisador, autor do livro "The Collapse of
the Kyoto Protocol" ("O Colapso do Protocolo de Kyoto"), de
2001, a falta de negociações sérias no ano passado, a extrema
complexidade do tema e o número alto de países na mesa
(190) têm tudo para produzir
em Copenhague um repeteco
de Kyoto. "Não há chance nenhuma de que Copenhague sozinha vá produzir um acordo
que fará diferença nas emissões", afirmou. "É inevitável
que o mundo terá um aquecimento muito grande, mesmo
que os governos resolvam levar
o problema a sério."
Na semana passada, em artigo na revista científica "Nature", Victor propôs que Copenhague produza um acordo
provisório e que os principais
países poluidores, entre os
quais o Brasil, comecem a sério
a discutir políticas de redução.
Em entrevista à Folha, ele explica sua ideia.
(CLAUDIO ANGELO)
FOLHA - Há um grau de interesse
público enorme na conferência de
Copenhague. Por quê?
DAVID G. VICTOR - Eu acho que virou um grande assunto porque
é o próximo grande marco na
discussão de clima. O último
grande marco foi Kyoto, e Copenhague é a extensão lógica de
Kyoto, porque é a data-limite
para o tratado substituto. Então é por isso que muitas pessoas começaram a acompanhar
o assunto. E muitas empresas
também, porque isto se tornou
uma grande questão para a maneira como elas operam.
FOLHA - Será que, por causa desse
interesse das empresas, o combate
à mudança climática não aconteceria mesmo sem um acordo?
VICTOR - O que acontece agora
é que o que a maioria dos países
está fazendo é o que eles fariam
mesmo na ausência de um tratado. Os europeus estão muito
preocupados com a mudança
climática e estão correndo para
fazer o que têm feito, os EUA
estão fazendo um um pouquinho, o Brasil está um pouco envolvido. O desafio para os diplomatas é produzir um acordo
que faça os países fazerem mais
do que fariam sozinhos.
FOLHA - Quais são as chances de
que Copenhague vá produzir um
acordo significativo para o clima?
VICTOR - Não há chance nenhuma de que Copenhague sozinha
vá produzir um acordo que fará
diferença nas emissões, porque
os processos industriais e de
agricultura que causam emissões mudam muito lentamente. O máximo que podemos esperar de Copenhague é mais
um passo num longo processo
de botar pressão nas atividades
que causam emissões.
FOLHA - O sr. publicou em 2001 um
livro chamado "O Colapso do Protocolo de Kyoto", no qual explicava
por que o acordo havia falhado. Nesta semana, escreveu um artigo para
a revista "Nature" dizendo que o
acordo de Copenhague também ruma para o fracasso. Quais são os
problemas de um e de outro?
VICTOR - O principal é que as
pessoas não tratam esse assunto como o problema econômico
sério que ele é. Elas ainda o tratam como um problema ambiental. Quando você pensa isso como um problema ambiental, você tem um conjunto de
ferramentas no kit dos diplomatas: você fixa metas progressivas, dá só um par de anos para
a negociação, as pessoas que
negociam são ministros de Ambiente. Essas ferramentas funcionam muito bem para problemas ambientais, mas o
aquecimento global é um tipo
de problema totalmente diferente. Estamos hoje, em pleno
processo rumo a Copenhague,
cometendo quase os mesmos
erros que fizemos com Kyoto.
FOLHA - Que foram...
VICTOR - Que foram: quase nenhuma negociação séria sobre
compromissos aconteceu no
ano que antecedeu a assinatura
de Kyoto. O mesmo está acontecendo agora. O número de assuntos na mesa é imenso. O número de países é maciço. Parece que não aprendemos nada
com a experiência de Kyoto,
porque estamos repetindo-a. É
por isso que eu fui tão pessimista no artigo da "Nature". Parte
disso é porque o problema da
mudança climática é muito,
muito difícil de resolver. Parte
disso é porque os instrumentos
desenhados -os tratados, as
organizações- não estão à altura da tarefa. E o que me preocupa é que nós vamos perder
mais dez anos patinando, fingindo que estamos atacando o
problema com organizações
que não têm capacidade para
isso. E o que eu acho que isso
significa é que é inevitável que
o mundo terá um aquecimento
muito grande, mesmo que os
governos resolvam levar o problema a sério. Eu não falo muito disso no artigo da "Nature",
mas a consequência disso é que
os governos terão de gastar
muito mais tempo pensando
em adaptação, em geoengenharia e em coisas que são preocupações quando você vê um futuro que terá um bocado de
aquecimento global.
FOLHA - O Banco Mundial soltou
um relatório nesta semana reconhecendo que será quase impossível
não ultrapassarmos as 450 partes
por milhão de CO2 na atmosfera, o
nível considerado seguro. Qual o sr.
acha que será a concentração final
antes de estabilizarmos o clima?
VICTOR - A meta de 450 partes
por milhão só existe enquanto
ninguém realmente tentar
cumpri-la. Quando tentarem,
verão que vamos passar longe
dela. A meta de 2C que a União
Europeia pôs na sua lei e que o
G8 pôs no seu comunicado vai
ser estourada.
FOLHA - O acordo não está certo e
os instrumentos não estão à altura
da tarefa, na sua opinião. Qual seriam o acordo certo e os instrumentos certos então?
VICTOR - O que eu acho que
precisa ser feito é separar as
questões sobre as quais os governos já concordam com as
questões sobre as quais é impossível haver acordo nos próximos dois anos. Na primeira
categoria, o que você faz é um
acordo provisório, que garanta
os compromissos que os governos já se dispuseram a adotar. E
aqui houve um enorme progresso: o Japão fez uma promessa neste ano, a União Europeia fez no ano passado, neste
semestre, espero, os EUA farão
uma promessa, a Índia e a China estão se preparando. Algo
que possa cimentar essas propostas, para que os governos
não fiquem chateados com a
falta de progresso.
A segunda coisa que você
precisa fazer é iniciar um processo pelo qual os compromissos que os governos adotam um
em relação ao outro possam ser
mais orientados pelas coisas
que eles podem de fato cumprir. Um dos problemas de
Kyoto é que as pessoas chegaram lá fazendo promessas de
corte de emissões que não podiam honrar. Precisamos de
um processo que se concentre
num punhado de governos:
Brasil, Indonésia, EUA, UE, Japão, China. Esses governos podem se juntar e fazer promessas uns aos outros, e essas promessas não seriam só o que eles
podem fazer já, mas também o
que eles se dispõem a fazer caso
outros governos façam mais.
FOLHA - Mas como esses compromissos condicionados seriam diferentes de metas voluntárias que não
resolvem o problema?
VICTOR - O melhor exemplo é o
que a UE está fazendo agora.
Eles têm uma meta, que é voluntária, e dizem: se vocês, nos
outros países, fizerem coisas
parecidas, nós aumentaremos
para tanto. E não é esse o diálogo que estamos tendo. O único
estilo de negociações que temos no momento é todo mundo falando o que vai fazer voluntariamente, e outros estão
até mesmo dizendo que, se os
outros não fizerem, eles não
vão fazer nada.
FOLHA - O sr. também critica a
pressa nas negociações. Mas nós
não temos muito tempo, certo? Não
podemos gastar mais dois anos falando sobre o assunto.
VICTOR - Eu acho que esta é a
realidade (risos). Temos dois
caminhos a seguir: um, estamos numa crise e precisamos
andar mais rápido e ter tudo finalizado em Copenhague. E o
resultado desse caminho será
outro Kyoto, onde os grandes
países aderem ao acordo e outros não, onde as metas são
aguadas e as pessoas ficam pensando que se fez algo a respeito,
quando na verdade não há nenhuma estratégia séria. O segundo caminho, o que eu defendo, é que você precisa de
mais tempo para que a negociação possa refletir o que os governos podem de fato fazer. E
isso, infelizmente, é um processo lento. De uma maneira ou de
outra, estaremos comprometidos com uma quantidade grande de aquecimento global.
FOLHA - Muita gente acha que o
custo da mitigação vai se tornar
proibitivo se demorarmos mais para
fazer a emissões começarem a declinar. Além disso, há o temor de um
colapso no mercado de carbono,
que ficaria sem regra nenhuma depois de 2012, quando Kyoto expira.
VICTOR - A questão mais importante agora é a dos mercados de
carbono. Ele precisa de um sinal muito claro de Copenhague
de que os governos não vão deixar essas regulações desaparecerem. É por isso que você precisa de um acordo provisório.
FOLHA - Que elementos deveriam
constar desse acordo "redux" de Copenhague que o sr. propõe?
VICTOR - Os tópicos centrais
são metas e prazos que todos
poderão adotar e extensão do
MDL [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo de Kyoto,
que prevê venda de créditos de
países pobres para países ricos]. Um problema central é
que há um grande número de
créditos que não são créditos.
FOLHA - Ele não teve eficácia nenhuma, é isso?
VICTOR - Eu não diria que não
teve eficácia nenhuma, porque,
se você procurar bem, vai encontrar um bom projeto. Mas,
no geral, o MDL tem sido um
desastre. Você olha para as curvas de emissões e para os projetos individuais, as pessoas estão recebendo investimentos
novos para coisas que seriam
feitas de qualquer maneira.
FOLHA - Os países em desenvolvimento devem adotar metas obrigatórias como as de Kyoto?
VICTOR - Eu sempre fui cético
quanto a metas tipo Kyoto, porque os governos não controlam
emissões: os governos controlam a política e a economia, e é
a economia que produz emissões. Nos países em desenvolvimento, em especial, há uma relação muito fraca entre a política dos governos e as metas de
emissão que eles podem adotar. Eles não sabem qual será
seu nível de emissão no futuro.
Então eles fariam como a Rússia, que é oferecer metas de redução muito mais altas que
suas emissões. E nós não queremos que isso aconteça.
FOLHA - O sr. está para ser pai pela
primeira vez. Como é ter um filho
quando o sr. acredita que o cenário
para o futuro dele será tão turvo?
VICTOR - Toda geração tem algum problema que a deixa muito deprimida. A última geração
teve as armas nucleares. A anterior teve a depressão econômica, a outra teve a guerra na
Europa. Eu acho que, no longo
prazo, nós vamos resolver o
aquecimento global, com tecnologias radicalmente novas.
Mas vai levar muito tempo. Daqui até lá, teremos algum aquecimento aqui, e parte dessas
mudanças climáticas pode ser
muito catastrófica.
"As pessoas não tratam
esse assunto como o
problema econômico
sério que ele é. Elas ainda o tratam como um
problema ambiental"
"É inevitável que o mundo terá um aquecimento muito grande,
mesmo que os governos resolvam levar o
problema a sério"
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