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Ratos comilões geram filhas diabéticas
"Junk food" oferecida ao bicho afeta seus espermatozoides de maneira pouco compreendida pelos cientistas
Não aconteceu, porém, mutação, sugerindo que hábitos ruins dos pais levam a filhos doentes por via não genética
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
No eterno cabo de guerra
científico entre a importância dos fatores ambientais e
dos fatores genéticos para
determinar quem nós somos,
o primeiro time acaba de ganhar alguns pontos.
Isso porque a última edição da revista "Nature" traz
um estudo com ratos machos
mostrando que comer demais altera os espermatozoides desses animais -a ponto
de fazer com que suas filhas
desenvolvam diabetes.
Os cientistas já sabiam que
ratas gorduchas tinham
maior tendência a ter filhas
doentes, mas nesse caso não
era possível excluir a hipótese de que a transmissão
acontecesse durante a gravidez, talvez por trocas hormonais entre bebê e mãe. Agora,
porém, é diferente.
Como a única colaboração
biológica de um macho com
a prole são os seus espermatozoides, não há como fugir
da conclusão de que o ambiente, através da "junk
food" oferecida aos ratos, pode causar alterações importantes que avançam para a
próxima geração.
O trabalho de Margaret
Morris, da Universidade de
Nova Gales do Sul (Austrália), remonta a Jean-Baptiste
de Lamarck, cientista francês
pré-Darwin que, no começo
do século 19, sugeriu que características adquiridas em
vida eram transmitidas aos
filhos.
Surge agora uma redenção, ainda que parcial, do
seu trabalho. Isso porque Lamarck virou, no século 20,
motivo de chacota, e os livros
didáticos ainda o apresentam como um pobre coitado
que teve o seu papel histórico: falar bobagem.
LAMARCK VIVE?
A área da ciência que está
revivendo Lamarck se chama
epigenética, e gira em torno
de cientistas renomados como Eva Jablonka, professora
da Universidade de Tel Aviv.
O que cientistas como ela
sugerem é que nossos hábitos podem alterar o padrão
de expressão dos genes, e
que isso seria transmitido para as próximas gerações.
"Alterar o padrão de expressão" nada mais é do que
conseguir fazer com que alguns genes se tornem muito
ativos e que outros fiquem
em silêncio -mas eles estão
todos ali, e não há mutações.
Até agora, já se mostrou,
por exemplo, que ratos expostos a herbicidas não sofriam mutações, mas sua
prole tinha mais problemas
de próstata e tumores.
"Se efeitos similares se
aplicam a humanos, as pessoas não deveriam ser saudáveis só para a sua saúde, mas
também para a da próxima
geração", diz Morris. "Talvez
nosso trabalho explique a
tendência demográfica atual
de aumento na quantidade
de gente com diabetes."
Ainda restam, porém,
muitas dúvidas. Os cientistas
não sabem explicar direito os
mecanismos biológicos dessa transmissão dos padrões
de expressão dos genes.
No caso do trabalho na
"Nature", também não se sabe por que o efeito é maior
nas filhas do que nos filhos,
mas isso pode indicar que o
cromossomo sexual X tem algum papel na coisa (quando
pais transmitem o cromossomo Y, nasce um menino).
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