São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2010

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Ratos comilões geram filhas diabéticas

"Junk food" oferecida ao bicho afeta seus espermatozoides de maneira pouco compreendida pelos cientistas

Não aconteceu, porém, mutação, sugerindo que hábitos ruins dos pais levam a filhos doentes por via não genética

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO

No eterno cabo de guerra científico entre a importância dos fatores ambientais e dos fatores genéticos para determinar quem nós somos, o primeiro time acaba de ganhar alguns pontos.
Isso porque a última edição da revista "Nature" traz um estudo com ratos machos mostrando que comer demais altera os espermatozoides desses animais -a ponto de fazer com que suas filhas desenvolvam diabetes.
Os cientistas já sabiam que ratas gorduchas tinham maior tendência a ter filhas doentes, mas nesse caso não era possível excluir a hipótese de que a transmissão acontecesse durante a gravidez, talvez por trocas hormonais entre bebê e mãe. Agora, porém, é diferente.
Como a única colaboração biológica de um macho com a prole são os seus espermatozoides, não há como fugir da conclusão de que o ambiente, através da "junk food" oferecida aos ratos, pode causar alterações importantes que avançam para a próxima geração.
O trabalho de Margaret Morris, da Universidade de Nova Gales do Sul (Austrália), remonta a Jean-Baptiste de Lamarck, cientista francês pré-Darwin que, no começo do século 19, sugeriu que características adquiridas em vida eram transmitidas aos filhos.
Surge agora uma redenção, ainda que parcial, do seu trabalho. Isso porque Lamarck virou, no século 20, motivo de chacota, e os livros didáticos ainda o apresentam como um pobre coitado que teve o seu papel histórico: falar bobagem.

LAMARCK VIVE?
A área da ciência que está revivendo Lamarck se chama epigenética, e gira em torno de cientistas renomados como Eva Jablonka, professora da Universidade de Tel Aviv.
O que cientistas como ela sugerem é que nossos hábitos podem alterar o padrão de expressão dos genes, e que isso seria transmitido para as próximas gerações.
"Alterar o padrão de expressão" nada mais é do que conseguir fazer com que alguns genes se tornem muito ativos e que outros fiquem em silêncio -mas eles estão todos ali, e não há mutações.
Até agora, já se mostrou, por exemplo, que ratos expostos a herbicidas não sofriam mutações, mas sua prole tinha mais problemas de próstata e tumores.
"Se efeitos similares se aplicam a humanos, as pessoas não deveriam ser saudáveis só para a sua saúde, mas também para a da próxima geração", diz Morris. "Talvez nosso trabalho explique a tendência demográfica atual de aumento na quantidade de gente com diabetes."
Ainda restam, porém, muitas dúvidas. Os cientistas não sabem explicar direito os mecanismos biológicos dessa transmissão dos padrões de expressão dos genes.
No caso do trabalho na "Nature", também não se sabe por que o efeito é maior nas filhas do que nos filhos, mas isso pode indicar que o cromossomo sexual X tem algum papel na coisa (quando pais transmitem o cromossomo Y, nasce um menino).


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