São Paulo, quarta-feira, 21 de novembro de 2007

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análise

É cedo para enterrar a clonagem

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

"Clonagem terapêutica." Nome pomposo, para uma tecnologia que nunca chegou a se materializar. E que agora, com os trabalhos de Shinya Yamanaka e de James Thomson, pode se tornar obsoleta antes mesmo de provar-se.
A "terapia", no caso, era retórica -uma promessa. Pressupunha que a linha de pesquisa inaugurada com a fabricação da ovelha Dolly redundaria, com certeza, em terapias celulares para moléstias como Parkinson e diabetes.
Com tanto debate ético, a técnica até parecia estar à mão. Engano: as células-tronco embrionárias (CTEs) só haviam sido obtidas com clones de camundongos (terapia, mesmo, nem com eles).
É cedo para entusiasmar-se com as células pluripotentes induzidas (CPIs) de Yamanaka e Thomson. Ou dar a clonagem terapêutica por natimorta, como parece inclinado a fazer Ian Wilmut (um dos "pais" de Dolly).
Primeiro, porque as técnicas de Yamanaka e Thomson ainda precisam ser aperfeiçoadas. A taxa de sucesso é baixa, uma célula a cada 5.000 ou 10.000 manipuladas.
Além disso, as CPIs envolvem dois componentes de risco: o uso de retrovírus a fim de contrabandear quatro genes para dentro das células e algum potencial cancerígeno (um espectro sempre presente quando se trata de células-tronco).
Para se tornar segura, a técnica terá de livrar-se dos retrovírus, pois não faz sentido tratar alguém com células infectadas. Será preciso encontrar uma maneira de reativar os mesmos genes, que estão presentes -mas adormecidos- nas células que se quer transformar, dispensando o acréscimo de cópias extras. Não é trivial.
Se comemorarem esse sucesso tão relativo obtido com células adultas, os inimigos da pesquisa com embriões estarão mais uma vez sendo parciais. Os estudos de Yamanaka e Thomson lhes dão alguma razão, ao mostrar que há alternativas viáveis à destruição de embriões para pesquisar terapias celulares. Se mais viáveis, ou menos, o tempo dirá.
Até lá, será preciso decidir se há razão para bloquear uma avenida quando não há certeza de que a outra será construída. No Brasil, porém, as CPIs podem ser um alento, uma vez que a "clonagem terapêutica", proibida pela Lei de Biossegurança, de 2005, está fora de questão.
Nem mesmo o estudo com uns poucos embriões armazenados em clínicas de fertilização está garantido, apesar de permitido pela lei. Ainda falta o Supremo Tribunal Federal decidir se o dispositivo é constitucional -ou não, como alega a Procuradoria Geral da República, com apoio de grupos religiosos e conservadores.
O Supremo promete começar a julgar o caso em dezembro. Quando o fizer, correrá o risco de pronunciar-se sobre pouco mais que ensaios preparatórios para uma biotecnologia em franca marcha para a irrelevância.


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