São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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GENÉTICA

Grupo de Ribeirão Preto soletrou as letras do DNA de parasita que ataca 10 milhões de pessoas na América Latina

Genoma de fungo sofre por falta de verba

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Em seu laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, o geneticista Gustavo Henrique Goldman tem cinco computadores de alto desempenho apelidados de Freud, Lacan, Jung, Sartre e Voltaire. "Cansei de ter problemas psicológicos por causa de dinheiro", explica.
O bom humor de Goldman, 42, esconde certa apreensão: ele não sabe se terá financiamento no ano que vem para concluir o trabalho de transcrição do genoma do fungo Paracoccidioides brasiliensis, parasita que afeta 10 milhões de pessoas na zona rural dos países da América Latina.
O sequenciamento (soletração) dos genes já foi feito, com a identificação de 4.700 deles. "Isso representa 50% do genoma", diz. O trabalho, a ser publicado em fevereiro na revista "Eukaryotic Cell" (http://ec.asm.org), foi o primeiro mapa genético de um fungo a ser esboçado no país. Para produzi-lo, o grupo de Goldman olhou apenas as sequências que estão ativadas no micróbio enquanto ele ataca seres humanos.
Agora, Goldman e seus colegas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e da Universidade do Vale do Paraíba (Univap) aguardam financiamento para a segunda parte do trabalho -que vai avaliar, entre outras coisas, quais são os genes envolvidos na maior ou menor capacidade do fungo de causar uma doença grave e quais genes estão efetivamente "ligados" durante a infecção.
Depois de terem catalogado todos os genes ativos do organismo, os pesquisadores também pretendem começar a transcrever o DNA completo do fungo, letra a letra, da mesma forma como foi feito o sequenciamento do genoma humano, para saber em detalhes como o parasita funciona. Isso é necessário porque as partes do DNA de um organismo que não codificam genes (geralmente referidas como "junk-DNA", ou "DNA-lixo") parecem ter funções importantes de regulação da ativação e desativação dos genes que ainda são desconhecidas.
Para o primeiro trabalho de sequenciamento, o grupo contou com aproximadamente US$ 25 mil e R$ 45 mil, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Pronex-MCT (Programa de Núcleos de Excelência, Ministério da Ciência e Tecnologia).
Essa segunda fase do projeto, prevista para durar quatro anos, deve sair mais salgada: o pedido de financiamento feito à Fapesp foi de R$ 1,5 milhão. Com a crise orçamentária da fundação, disparada pela desvalorização do real no fim do primeiro semestre, o P. brasiliensis pode ter de esperar para ter seus segredos completamente revelados.

Chip de DNA
O Paracoccidioides é um mal de áreas rurais. Acredita-se que a frequência da infecção tenha a ver com o aumento do desmatamento nessas regiões. Quando infecta humanos, ele assume a forma de uma levedura, assim como um outro fungo comum entre humanos -Candida albicans, causadora da candidíase- e provoca uma síndrome pulmonar que pode levar à morte.
A segunda etapa do trabalho de decifração do parasita consiste em descobrir como funcionam os genes que o tornam perigoso.
Para isso, sequências genéticas retiradas do fungo em diversos estágios da infecção deverão ser inseridas em chips de DNA, pequenas placas de vidro nas quais se depositam trechos de DNA conhecidos. Quando a sequência que se deposita na placa "casa" com a sequência que está lá, os cientistas sabem que aquele gene específico está ativo naquela etapa particular da doença.

Tiro ao alvo
"Conhecendo os genes que estão ativos na infecção, você pode ter alvos para medicamentos contra o fungo", disse Goldman. Isso também é importante para identificar as cepas (linhagens) mais agressivas do P. brasiliensis.
Outro teste que deverá ser feito na segunda parte da pesquisa é a infecção de cobaias, para observar como o parasita interage com os genes do hospedeiro.
"O P. brasiliensis não é um organismo inteiramente oportunista, ou seja, ele ataca quem tem um sistema imunológico intacto. Precisamos entender a biologia do hospedeiro e da doença", afirma Goldman.


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