São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2005

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ASTRONOMIA

Dados coletados por sonda européia durante pouso histórico revelam chuvas, rios e lagos na lua de Saturno

Huygens revela Titã, mundo-irmão da Terra

ESA
Mosaico de imagens mostra traçado de rios na superfície de Titã


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora estejam separados por 1,3 bilhão de quilômetros, Titã e a Terra são mundos irmãos. É o que concluíram ontem os pesquisadores da ESA (Agência Espacial Européia), ao revelar as primeiras conclusões tiradas dos dados da sonda Huygens, que pousou naquela lua de Saturno há oito dias. A descida confirmou uma velha suspeita dos cientistas: de que houvesse fluxo de líquidos na superfície de Titã. Também pareceu suportar evidências coletadas por telescópios nos últimos anos de que aquela lua tivesse um ciclo "hidrológico" completo, com chuvas e evaporações reciclando constantemente o conteúdo líquido no solo e no subsolo. No lugar de água, no entanto, Titã possui chuvas e rios de metano líquido. Esse composto orgânico, que aqui só é estável em sua forma gasosa, pode existir em dois estados diferentes no ambiente titaniano, em que a temperatura média na superfície é de aproximadamente -180C. Num lugar desses, água é tão dura quanto as rochas o são na Terra. (De fato, as imagens da Huygens capturadas depois do pouso também revelaram pedregulhos de "gelo sujo" -água congelada misturada a rochas- no solo de Titã.) Os cientistas consideram Titã um dos lugares mais interessantes para estudos no Sistema Solar. Maior que os planetas Mercúrio e Plutão, com diâmetro de 5.150 km, Titã tem uma química bem similar à que a Terra deve ter tido bilhões de anos atrás. Os pesquisadores consideram a lua saturnina uma parada obrigatória na busca do entendimento de como a vida acabou surgindo por aqui.
Respostas
"Temos agora a chave para entender as formas da paisagem de Titã", disse ontem Martin Tomasko, líder científico do radiômetro imageador espectral de descida (DISR, na sigla inglesa) da Huygens, durante entrevista coletiva realizada num centro da ESA em Paris. "Evidências geológicas para precipitação, erosão, abrasão mecânica e outras atividades fluviais dizem que os processos físicos que delineiam Titã são os mesmos que delineiam a Terra." As imagens do DISR revelaram uma rede complexa de canais de drenagem correndo das regiões mais altas para as planícies. Eles se reúnem em sistemas de rios que desembocam em lagos com ilhas parecidas com as da Terra. "Na minha opinião, o mais interessante são esses canais -parece-nos que Titã realmente tem líquidos na superfície, como se suspeitava", diz Rosaly Lopes, geóloga do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa) que trabalha no radar da sonda Cassini, atualmente em órbita ao redor de Saturno para estudar seus anéis e suas mais de 30 luas. Esses leitos de líquido parecem secos no momento, mas os cientistas estimam que as chuvas que os alimentaram não devem ter ocorrido há muito. Essa conclusão é apoiada não só pelos dados do DISR mas também por informações coletadas com o pacote de instrumentos científicos da sonda projetado especificamente para analisar a composição do solo.

Confirmação
A previsão de que Titã deveria ter chuvas de metano periódicas foi feita pela primeira vez por Caitlin Griffith, uma pesquisadora da Universidade do Norte do Arizona, nos EUA. Em 2000, ela publicou um estudo na revista "Science" dizendo exatamente isso, com base em observações da luz infravermelha de Titã feitas da Terra com telescópios (em algumas das pouquíssimas freqüências em que é possível captar algum sinal vindo da superfície de Titã -a maioria deles é bloqueada pela densa atmosfera da lua saturnina, que está obscurecendo até a visão da sonda americana Cassini, projetada para superar essa dificuldade). Embora tenham apresentado algumas de suas principais conclusões ontem, os cientistas da ESA envolvidos com a missão da Huygens acreditam ter dados para continuar as pesquisas por anos a fio. E a Cassini, em sua missão contínua ao redor de Saturno, promete ajudar com o serviço. Só em 2005, ela deve fazer mais sete sobrevôos rasantes de Titã. O próximo ocorrerá em 15 de fevereiro.

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