São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2002

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ASTROBIOLOGIA

Organismo terrestre poderia sobreviver sob o oceano de Europa

Bactéria resiste a pressão alienígena

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem acha que trabalha sob pressão ainda não conheceu as bactérias de um laboratório da Instituição Carnegie de Washington, nos EUA. Elas vivem como alguém que estivesse com uma camada de 160 quilômetros de água sobre sua cabeça. A sessão de tortura bacteriana mostra como esses organismos poderiam sobreviver até mesmo nas condições encontradas em Marte ou em Europa, uma lua de Júpiter.
Um dos principais argumentos contra a existência de vida em outras regiões do Sistema Solar é a enorme pressão a que esses organismos estariam sujeitos, caso habitassem os locais em que há água líquida -no subsolo marciano ou sob a quilométrica crosta de gelo de Europa.
Diversos testes anteriores feitos com pedaços de organismos mostravam a dura realidade da situação: "A integridade da membrana celular está em risco. A pressão também danifica o DNA e desnatura proteínas", diz Anurag Sharma, autor do estudo, que está publicado hoje na revista "Science".
Ao que tudo indicava, nada terrestre poderia viver em condições de altíssima pressão. "Havia informações tão avassaladoras nos estudos in vitro que as pessoas acreditavam que fossem definitivas. De fato, nós éramos algumas dessas pessoas", conta Sharma. "Só quando eu acidentalmente superpressurizei meu aparelho, nós percebemos que os micróbios ainda estavam ativos. Foi isso que assegurou todo esse trabalho."

Bactérias comuns
Os organismos testados nem são os especialistas da sobrevivência a todo custo -os chamados extremófilos. Muito ao contrário, são bichinhos bem vagabundos, o Escherichia coli e o Shewanella oneidensis. O primeiro vive no sistema digestivo de animais e o segundo vem de um lago raso do Estado de Nova York, o Oneida. "Ambos são anaeróbios [não precisam de oxigênio" e não têm relatos de qualquer extremofilia", diz Sharma.
As bactérias foram submetidas, em uma máquina que usa uma prensa de diamante para gerar pressão, a um aperto de até 1.680 MPa (megapascal, subunidade do pascal, a unidade padrão de medida de pressão). Para efeito de comparação, a pressão do ar no nível do mar é de 0,1 MPa. Segundo os pesquisadores, a pressão que foi imposta às bactérias é dez vezes maior que as encontradas nos ambientes extremos da zona habitável do Sistema Solar.
Para Sharma, o estudo é mais uma demonstração da capacidade dos sistemas biológicos de sobrepujar as dificuldades. "Até na Terra estamos descobrindo que a diversidade da vida é muito maior do que imaginávamos", diz. "Ambientes subterrâneos em Marte ou em Europa podem fornecer o conjunto certo de elementos para a manutenção da vida."
A descoberta acidental de Sharma e seus colegas está abrindo novas possibilidade de estudo. "Planejamos fazer experimentos com extremófilos. Também queremos fazer [estudos de" biologia molecular para determinar qual é o processo que mantém os micróbios vivos em pressões extremas."
Para ele, entretanto, a recompensa da pesquisa não está só no ramo da busca de vida alienígena. "O estudo abriu uma avenida inteiramente nova de pesquisa, pela primeira vez combinando física de alta pressão e biologia", diz. "Isso tem implicações não só em astrobiologia, bioquímica e microbiologia, mas em biotecnologia e ciência dos alimentos."



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