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Cérebro tem área ligada à moral, aponta pesquisa
Lesão em zona que integra emoção à consciência prejudica julgamentos morais
Estudo reforça hipótese
de que a evolução dotou os
seres humanos de um tipo
de órgão universal da ética,
alojado no sistema nervoso
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Para agir de maneira ética,
basta pensar de maneira racional ou é preciso se deixar envolver também pelas emoções? De
acordo com um estudo publicado ontem, julgamentos morais
que as pessoas fazem quando
estão diante de um dilema são
mais emocionais do que se imaginava -sinal de que a moral
não é baseada só na cultura e
faz parte da natureza humana.
Para lidar com essa questão,
um grupo liderado pelo psicólogo americano Marc Hauser,
da Universidade Harvard, e pelo neurologista português António Damásio, da Universidade do Sul da Califórnia (ambas
nos EUA), submeteu diversos
voluntários a um questionário
com situações imaginárias de
deixar qualquer um arrepiado.
A maior parte delas envolvia
decisões do tipo "escolha de Sofia", como sacrificar um filho
para salvar um grupo de pessoas. Que mãe permitiria isso?
Para tentar inferir o peso da
emoção em julgamentos morais, os cientistas incluíram entre os voluntários seis pessoas
que haviam sofrido lesões numa área específica do cérebro, o
córtex frontal ventromedial
(veja o quadro à esquerda). Entre as diversas funções dessa
estrutura está a integração de
sentimentos à consciência.
O resultado do experimento
foi que os portadores da lesão
tiveram tendência a pensar de
maneira mais "utilitária". Eles
escolhiam, da maneira mais
fria, a decisão que prejudicasse
um número menor de pessoas.
"Em alguns casos -dilemas
de grande conflito moral- a
emoção parece ter papel significativo nos julgamentos", explicou a Folha Michael Koenigs, colaborador de Hauser e
Damásio. "Como os pacientes
com a lesão que estudamos
presumivelmente carecem de
emoções sociais/morais apropriadas, seus julgamentos são
mais baseados em considerações utilitárias do que em fatores emocionais."
Uma das questões usadas pelos cientistas envolvia uma situação imaginária na qual famílias vivendo num porão se
escondiam de soldados que
procuravam civis para matar.
Um bebê começa a chorar, e a
única maneira de calá-lo para
evitar que todos sejam encontrados é tapar a respiração da
criança por tempo suficiente
para matá-la. O que fazer?
Para os pacientes portadores
da lesão estudada, a decisão
correta era matar a criança.
Sem empatia
A resposta, de certa forma,
era o que os pesquisadores esperavam. "Pacientes com essa
lesão exibem menos empatia,
compaixão, culpa, vergonha e
arrependimento", disse Koenigs, que foi autor principal do
artigo que descreve o experimento hoje no site da revista
"Nature" (www.nature.com).
Ao contrário do que se podia
imaginar, porém, essas características não tornaram essas
pessoas "más" ou "cruéis". Para
situações sem dilemas, as respostas dos pacientes lesionados foram bastante semelhantes às dos voluntários sadios.
Na opinião dos cientistas, o
estudo é uma forte evidência
de que pensar de maneira puramente utilitarista simplesmente vai contra a natureza
humana. O córtex frontal ventromedial, afinal, seria um produto da evolução que ajudou a
moldar a forma como as pessoas se relacionam.
"Ele parece ser uma "parte
emocional" inata do cérebro, e
parece ser crítico para certos
aspectos da moralidade", diz
Koenigs. O pesquisador afirma,
porém, que não é possível separar a influência do ambiente na
ética. "A reação da maquinaria
emocional com respeito a
questões morais é sem dúvida
moldada por forças culturais."
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