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Mitologia polar
GLACIOLOGISTA DESFAZ ALGUNS DOS PRINCIPAIS ENGANOS
NA PERCEPÇÃO QUE O PÚBLICO BRASILEIRO TEM DA ANTÁRTIDA
JEFFERSON CARDIA SIMÕES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mesmo após 25
anos de presença do Brasil na
região, com a
inauguração da
estação Antártica Comandante
Ferraz, em 1984, ainda permanecem muitos mitos sobre o
ambiente antártico. Mapas em
projeções geográficas inadequadas para as regiões polares
deformam a Antártida além da
compreensão. (Quem já observou a posição e forma das regiões polares em um globo? Ou
uma comparação do tamanho
do Brasil com a Antártida?)
Dificulta também a má definição da região tratada nos textos, confundindo o continente
propriamente dito (cerca de
13,7 milhões de quilômetros
quadrados) com a região antártica (ou seja, o continente e o
oceano Austral juntos). O uso
de termos arcaicos (oceano
Glacial Antártico) só faz piorar
essa situação.
Na imprensa, a área geográfica tradicional de atuação do
programa do governo e de velejadores brasileiros, e mais recentemente de turistas, a Antártida marítima (aquela mais
amena e em grande parte ao
norte do Círculo Polar), é apresentada como representativa
de toda a região. Isso não reflete a diversidade ambiental!
Mas talvez a causa principal
desses erros é o mito que vivemos em um país tropical verdejante com riquezas inesgotáveis, longe e pouco afetado pelas regiões mais frias do planeta. Mito este que também dificulta a compreensão das mudanças ambientais globais.
Abaixo, listo alguns dos principais mitos e erros que frequentemente aparecem na imprensa, nos livros do ensino básico ou em conversas sociais.
MITO: O continente antártico é
longe do Brasil.
FATO: A Antártida é o segundo
continente mais próximo do
país. Porto Alegre está a somente 3.600 km da Estação Antártica Comandante Ferraz. Ou seja,
Boa Vista (capital de Roraima)
está mais longe (3.776 km).
MITO: O gelo do planeta está no
hemisfério Norte, portanto não
afeta o Brasil.
FATO: Noventa por cento do volume do gelo do planeta está no
continente antártico. O Brasil é o
7º país mais próximo dele.
MITO: O Brasil é um país tropical, portanto pouco afetado pela
regiões polares.
FATO: O sistema ambiental é um
contínuo e há relações de interdependência. A circulação atmosférica e oceânica existe devido ao transporte de energia
dos trópicos para as regiões polares. Assim, o regime climático
brasileiro é regido por fenômenos que ocorrem tanto na Amazônia quanto na Antártida.
MITO: Toda a Antártida é extremamente fria.
FATO: É uma generalização indevida. Tratando-se de um continente, seria de esperar
grandes variações na temperatura do ar. Assim, a temperatura
média anual na ilha Rei George
(onde fica a estação Comandante Ferraz) é de -2,8C, no polo
Sul geográfico é de -49C e na
estação russa Vostok é de -55C.
MITO: O Brasil tem uma estação
no polo Sul.
FATO: Nossa estação antártica
está situada a 3.115 km ao norte
do polo Sul geográfico. A distância da Estação Antártica Comandante Ferraz ao Chuí é quase a
mesma (3.172 km).
MITO: O gelo de toda a Antártida
esta derretendo.
FATO: O que está derretendo são
aquelas geleiras e plataformas
de gelo situadas na região mais
amena da Antártida, a península
Antártica.
MITO: O continente antártico duplica de tamanho no inverno devido ao congelamento do mar.
FATO: No inverno, o oceano Austral congela. O gelo pode cobrir
até 22 milhões de quilômetros
quadrados, mas é uma camada
que raramente ultrapassa 1,5 m
de espessura. Ou seja, continua
a ser um oceano.
MITO: As condições meteorológicas na Antártida mudam rapidamente.
FATO: Uma observação válida
para a Antártida marítima. Conforme adentramos no continente, o tempo fica mais estável.
MITO: Na Antártida temos seis
meses de luz e seis meses de escuridão. Em toda a região antártica temos o sol da meia-noite.
FATO: Esta observação só é válida para o polo Sul geográfico. Na
Estação Comandante Ferraz já
não ocorre o sol da meia-noite,
pois ela está ao norte do Círculo
Polar. Lá, a noite mais curta do
ano tem 4 horas e 12 minutos
(como uma penumbra).
MITO: Missões polares são similares às de montanhismo.
FATO: Existem poucos pontos
em comum, além do frio. Missões de montanhismo atuam em
terrenos muito íngremes, raramente têm algum interesse
científico, geralmente têm curta
duração. Uma expedição polar
tem características exatamente
opostas.
MITO: Roupas polares térmicas
têm aquecedores.
FATO: As roupas polares usam o
princípio das camadas, onde são
criadas camadas de ar (isolante)
entre elas. É o calor do próprio
corpo que é retido.
MITO: O Programa Antártico
Brasileiro (Proantar) é um programa da Marinha.
FATO: O Proantar é um programa
nacional, gerenciado pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. A
Marinha é responsável pela logística; as universidades e institutos, pelas pesquisas.
JEFFERSON CARDIA SIMÕES é diretor do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Liderou a Expedição Deserto de Cristal, primeira
missão brasileira ao interior da Antártida
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