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Mato Grosso é campeão mundial de fogo
Dados de satélite revelam também que derrubada da floresta, não queima de pasto, responde por 60% dos focos de calor
Segundo pesquisador da Nasa, número de incêndios no arco do desmatamento é
2 vezes maior que em todas as outras regiões do planeta
Mato Grosso é campeão mundial de fogo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O Estado de Mato Grosso,
onde a floresta amazônica tomba a taxas alucinantes para dar
lugar a pasto e lavoura, é o lugar
com o maior número de queimadas no planeta. E a maior
parte desse fogo vem justamente da derrubada da mata, diferentemente do que os cientistas imaginavam.
As conclusões vêm de dois
estudos independentes, feitos
por pesquisadores americanos
com base em dados dos satélites Terra e Aqua, da Nasa
(agência espacial dos EUA).
Um deles monitorou as queimadas no mundo inteiro entre
2000 e 2005 para saber que regiões do planeta queimam
mais, e em que épocas do ano. O
outro olhou para o arco do desmatamento amazônico (principalmente o norte de Mato
Grosso) nesse mesmo período,
para saber o que queima.
A primeira pergunta foi respondida por Louis Giglio, pesquisador do Centro Goddard de
Vôo Espacial, da Nasa. Num artigo científico a ser publicado
no periódico "Journal of
Geophysical Research", ele
montou o primeiro mapa global de intensidade de fogo. A região que
mais concentra pixels (pontos)
de calor em seu mapeamento é
a do arco do desmatamento.
"A densidade de pixels de fogo detectada nessa localidade é
duas vezes maior que em qualquer outro lugar do mundo",
escreve o cientista. E explica:
"Essa é uma região de intensa
conversão da cobertura vegetal, na qual a floresta tropical
vem sendo rapidamente transformada em pasto, com queima
subseqüente da floresta".
O estudo é inovador porque
usa os sensores Modis, a bordo
do Terra e do Aqua, especialmente construídos para detectar focos de calor. Os outros satélites não serviam para a tarefa. "Era como tentar pesar um
elefante com uma balança de
banheiro",compara Giglio.
Além disso, o mapa montado
por ele e dois colegas é o primeiro a captar queimadas de
dia e de noite -hoje as detecções de fogo só usam imagens
noturnas, o que é um problema,
porque a maior parte do planeta, inclusive no arco do desmatamento, as queimadas acontecem durante o dia.
"[O estudo] parece ser um
grande passo adiante", disse à
Folha Greg Asner, especialista
em sensoriamento remoto da
Universidade Stanford.
Lenha na fogueira
O outro estudo, liderado por
Douglas Morton, da Universidade de Maryland em College
Park, mostrou que o que mais
queima na região do mundo
que mais queima é floresta:
60% dos focos de calor detectados em Mato Grosso no período 2000-2005 vêm de queimadas para desmatamento.
Morton, 29, que conduz pesquisas no Brasil há sete anos,
admite em português fluente
que seus dados são preliminares. Mas sabe que seu estudo
deve fazer barulho, porque até
agora achava-se que a maior
parte dos focos de calor detectados por satélite correspondesse a queima de pasto ou de
resíduos de colheita em áreas
previamente desmatadas.
"Isso muda completamente o
nosso entendimento sobre o
tema", disse Paulo Artaxo, especialista em química atmosférica da USP e um dos líderes do
LBA (Experimento de Grande
Escala da Biosfera/Atmosfera
na Amazônia), após assistir a
uma apresentação de Morton
no último dia 12, em Brasília.
"Nós achávamos que cerca de
70% dos focos de calor viessem
de queimadas agrícolas. Mas
era uma percepção, não um resultado", disse Artaxo.
Tanto que os cientistas fazem questão de distinguir desmatamento de queimadas. Até
agora, não era possível associar
os focos de calor à derrubada.
Duplo registro
Para tentar separar o que é
prática agrícola do que é derrubada, Morton recheou de matemática sofisticada um raciocínio simples: madeira demora
mais do que capim para queimar. Portanto, se um mesmo
campo é visto pelo satélite
queimando mais de uma vez
em um ano, o foco de calor associado dificilmente corresponde a uma queima de pasto.
A madeira de uma mata recém-derrubada, em compensação,
passará meses ou anos queimando antes de a terra ser convertida para a agropecuária.
Os satélites Terra e Aqua
têm, no entanto, um viés: como
eles só passam duas vezes por
dia sobre uma mesma área, tendem a perder algumas queimadas de pasto, rápidas e feitas no
fim da tarde. Isso pode alterar
os resultados da análise -daí a
cautela de Morton. "Mas eu
ainda acho que o dado é conservador", diz o americano.
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